sexta-feira, 2 de março de 2007

A PRIMEIRA "VIAGEM".


A PRIMEIRA VIAGEM.

Nota explicativa: Essa viagem ainda não aconteceu, mesmo porque a Hebe encontra-se no SPA. Esse texto nada mais é do que uma “viagem” no sentido “bicho-grilo” sobre retomar meu projeto “quase hippie” que engavetei ainda na adolescência e pretendo retomar agora, aos 45 anos.
A aquisição da Kombi, que deu o “start” nessa maluquice não foi premeditada. Eu simplesmente não tinha dinheiro para comprar nada mais moderno. Foi acontecendo e as memórias surgindo, devaneios juvenis ressuscitados que hoje fazem feliz meu coração de uma forma que há muitos anos não experimentava.
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O horizonte avança lentamente pelo pára-brisa bi-partido, à esquerda zunem suaves veículos modernos e apressados. Entre minhas mãos que domam o enorme volante, vejo o ponteiro do velocímetro se esforçando para chegar aos 90 Km/H. O painel é básico: Além do velocímetro há apenas o marcador de combustível e mais três botões. Demos um toque romântico com algumas flores roubadas numa praça que enfiamos num vasinho improvisado numa embalagem de tempero semelhante a um tubo de ensaio. Sobre meu colo, os cabelos da mulher amada, adormecida confortavelmente no banco inteiriço de couro sintético branco.
Pelo retrovisor interno posso conferir toda a tralha que estamos carregando espalhada pelos bancos traseiros: Duas bicicletas, mochilas, barraca, sacos de dormir e a Rita, minha boxer com o olhar perdido em alguma lembrança canina.
Lá em cima, amarrada ao bagageiro, uma prancha de surf que estamos levando para um amigo “new-caiçara”. Mais um doce bárbaro que desistiu de ser consumido pelo sistema, juntou suas coisas e foi morar na praia “até que a grana acabe”. Vamos nos hospedar na casa dele, os equipamentos de camping só estão lá atrás porque o espaço da Kombi comporta até uma mudança de planos de última hora.
Com o sol à direita, observo a sombra da perua e a prancha no asfalto ao meu lado. Imagino que, para quem vê de fora, a imagem da perua azul e branco com uma nadadeira nas costas, deva lembrar uma orca patinadora. Rio sozinho da bobagem surrealista.
O ronco alto e monótono do motor 1.500 me obriga a colocar o volume do CD no máximo. Na seleção de antigas está tocando uma de minhas preferidas na voz de Nara:
“Vou voltar, sei que ainda vou voltar, para o meu lugar...”.
Uma emoção súbita e agradável me invade, enche meus olhos d’água quando associo a música e a viagem ao meu retorno aos sonhos e valores da juventude. Ideais utópicos de fraternidade, igualdade, de paz e amor que foram atropelados por anos de serviço à normalidade. Naquele tempo era preciso ser normal. Andar de forma normal, se vestir de maneira normal, de falar sobre coisas normais com gente normal.
O sonho hippie foi sufocado pelos governos e nós, entregues ao mercado que impôs essa “antiestética” da normalidade.
Ajusto o quebra-vento para que a brisa limpe meus olhos marejados.
Agora é Belchior quem solta sua voz de besouro dizendo que é “apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior. Mas trago de cabeça uma canção do rádio em que um antigo compositor, baiano me dizia: Tudo é divino. Tudo é maravilhoso...”.
Sou induzido a ver tudo dessa forma. O momento é mágico. A vida está perfeita. Meu peito parece que vai explodir de felicidade.
Respiro fundo e me encho de uma alegria que não lembrava existir.
A brisa que enxugou meus olhos faz bailar os cabelos de minha namorada revelando seu rosto sereno e doce. Não faz muito tempo eu achava que nunca mais amaria tão intensamente. Que bom saber que a vida é mais sábia e generosa do que eu supus.
Uma lágrima que rolou silenciosamente até meu queixo resolve cair sobre o rosto dela que abre os olhos, intui o meu extase e, sem dizer palavra, dá um lindo sorriso e volta a cochilar.

Um comentário:

Lulu disse...

Bacana teus textos.,pena nao ter mesma inspiracao para escrever....somente para postar fotos.
bonito veiculo!