terça-feira, 13 de março de 2007

DIÁRIO DO DELIVERY Nº 06 - O ESPECIALISTA


Eu: -República, Boa Noite.
Cliente: -Quanto fica pra mandar uma Pepperoni aqui no Jardim Botânico?
Eu: -R$ 34,95
Cliente: -Mas eu estou aqui com o site de vocês na minha frente e o preço está R$ 31,50!
Eu: -Seus “poup-ups” estão bloqueados?
Cliente: -É, estão.
Eu: -Desbloqueie, por favor...
Cliente: -Comissão dos entregadores? Vocês cobram para entregar?
Eu: -Não. Conforme está escrito aí, é Comissão dos Entregadores. Eles são autônomos, vivem disso. Nosso negócio aqui é vender pizzas. Prestar o serviço de entrega é lá com eles...
Cliente: -Você não acha que R$ 3,45 é muito para vir daí até o Botânico?
Eu: -Os entregadores não acham. Eles são responsáveis pela integridade da pizza até que chegue às suas mãos. Se eles estragarem alguma pizza, o que não é raro, pagam. Além disso, a moto, a mochila e a gasolina são deles.
Cliente: -Vocês mandam um refrigerante “free”?
Eu: -Como é mesmo o seu telefone?
Cliente: -3258-XYZX
Eu: -Tadeu?
Cliente: Isso, do Jardim Botânico.
Eu: -Ô Tadeu... Você é cliente desde 2000, não lembro de você, nem mais ninguém ter questionado tanto assim. Nosso sistema é o mesmo desde a inauguração, há dez anos.
Cliente: -É que eu sou especialista em gestão de varejo e fico inquieto com negócios que tem um potencial enorme e se perdem nas velhas regras...
Eu: -Como você acha que deveria ser feito? Se a pizzaria fosse sua, quais as modificações que você faria?
Cliente: -Esse negócio de cobrar a entrega, por exemplo... Eu faria a entrega de graça.
Eu: -E de onde sairia o dinheiro para pagar os entregadores?
Cliente: -Tem que fazer como os grandes... Embutir tudo. O consumidor gosta de levar vantagem. Ele não se importa de pagar R$ 50,00 numa pizza de mussarela, desde que não pague a entrega, ganhe o refrigerante ou uma sobremesa.
Eu: -Acho que não saberia trabalhar assim...
Cliente: -Veja aquelas ofertas da Polloshopp na TV... Eles dizem que te dão mais isso, mais aquilo e, se você for um dos primeiros a ligar ainda ganha mais uma bugiganga...
Eu: -Só o fato de nós pagarmos os entregadores em lugar dos clientes, que são os que realmente usam o serviço, o custo de entrega já iria dobrar. Caracterizaria uma relação de trabalho estável com todos os encargos sociais.
Cliente: -Bobagem... Faça as contas e embuta tudo... Seus clientes são diferenciados, dinheiro não é o problema, não vão nem perceber. E você ainda vai gerar fidelidade.
Eu: -Tadeu, considerando que meu cliente está situado principalmente nas classes A e B, entre eles há até gestores de varejo, que é o seu caso, como é que eu explico para os que vem buscar suas pizzas aqui que o preço é o mesmo de quando ele recebe em casa?
Cliente: -O consumidor não pensa nisso. Ele quer benefícios agregados. O resto é balela.
Eu: -Acho que será muito difícil mudar a cultura da empresa depois de 10 anos...Mesmo internamente, nós temos uma política de transparência diante dos nossos funcionários que ficaria comprometida.
Cliente: -Como assim?
Eu: -Sabe aquela máxima que diz que “quem fala a verdade não precisa se lembrar de nada”?
Cliente: -Não conhecia. Também acho que não entendi.
Eu: -Aqui é muito claro que nós não damos nada porque não ganhamos nada, temos que comprar tudo. Isso é um negócio e para sobreviver precisamos trabalhar buscando o lucro. Meus funcionários sabem que atum e calabresa não dão em árvores, nós pagamos quando compramos e temos que lucrar quando vendemos. Se implantarmos aqui essa política do tudo “free” vai parecer que isso aqui é a casa da mãe Joana, pode comer tudo, beber tudo. É de graça mesmo... Mas de qualquer forma vou pensar sobre sua proposta.
Cliente: -Minha mãe chama-se Joana.
Eu: -Perdão, não tive a intenção.
Cliente: -Tudo bem. Manda a pizza então. Quanto era mesmo? Vê se dá um desconto pela consultoria, hehehehe!
Eu: -Só um minutinho... De R$ 61, 80 por R$ 59,99.
Cliente: -Ô louco! Não era trinta e pouco?
Eu: São os “benefícios agregados”. Comprando essa pizza você ganha também uma borda recheada, três sobremesas e um refrigerante de dois litros a escolher. Além disso, você não pagará nada mais para receber aí na sua casa.
Cliente: -Háháháhá! Muito boa! Mas não precisava exagerar! Háháhá!
Eu: -É que eu sou novo nesse negócio. Mas vou aprender.
Cliente: -Acho que vou buscar a pizza aí, assim a gente toma um chope e eu te explico melhor como funciona essa história toda.
Eu: -Ok, Tadeu, dentro de uns 15 minutos a pizza vai estar pronta, você pode retirar. Mas infelizmente eu não vou estar aqui quando você chegar, tenho uma emergência comercial para resolver.
Cliente: -Emergência comercial? Às 11:00 da noite?
Eu: -É! Cancelar um pedido que eu fiz na Polloshop hoje à tarde.
Cliente: -Você ta brincando!?
Eu: -Claro que estou. Vem pra cá que eu pago o chope.
Cliente: -Háháháhá! Até já!
Eu: -Até já, Tadeu.

Um comentário:

Jairo disse...

Muito boa e interessante a história, quem sabe não passo ai algum dia comer uma pizza.