quinta-feira, 27 de março de 2008

DESCONTROLADO, ME ENTREGO.

(Foto de Rui de Almeida Cardoso em www.olhares.com - Portugal)
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Caiu minha panca de invencível. Fiquei de joelhos.

Março foi difícil, especialmente nessa última semana.
Enfrentei um motim na pizzaria que culminou com a saída de quatro “colaboradores”, incluindo o mentor (ou apenas o maior irresponsável) que prestava serviços de consultoria havia menos de três meses. Rita (a boxer) morreu no Domingo de Páscoa, precocemente, com pouco mais de oito anos. Na madrugada de terça-feira ladrões invadiram o restaurante e levaram quase todas as bebidas deixando um buraco na parede e outro no telhado. Tudo isso em meio a revezes financeiros decorrentes do declínio natural das vendas no primeiro trimestre, só que esse ano foi mais drástico.

Para me atordoar ainda mais, ótimas possibilidades se abriram para o projeto Kombinações, porém eu não tive tempo nem o necessário entusiasmo para dar a devida atenção. Pareceu-me muito difícil falar de futuro enquanto o presente estava naufragando.

Aí eu me entreguei, física e espiritualmente. Depois de um banho daqueles que enrugam as pontas dos dedos e encharcam a alma, larguei o corpo exausto em minha cama enorme, que pareceu mais enorme do que nunca.

Invoquei o Divino e falei em voz alta: - Ok, é demais pra mim, até sei o que fazer, mas não quero ou estou sem energia para fazê-lo. Eu abro mão de todo controle. Eu me entrego. Seja feita a Sua vontade.

Na manhã seguinte acordei na mesma posição de crucificado que deitei, semelhante à foto aí em cima. Deviam ser umas 06h30min. Na janela um tiziu parecia me gozar piando e dando cambalhotas. Fiquei contemplando o lustre sobre minha cabeça e enumerando todos os problemas que me aguardavam naquele dia. Sabia que não poderia fugir deles, mas magicamente a gravidade de cada situação foi diluída durante a noite. As fatalidades da noite anterior tornaram-se apenas contratempos que vem sendo sanados com equilíbrio e sabedoria.

É impressionante como nos enganamos a respeito de nossas próprias capacidades, ora achando que podemos carregar o mundo e logo em seguida constatando que essa é uma tarefa grande demais. Para os dois casos deveríamos manter a lucidez de que a vida não é feita de perdas e ganhos, a vida simplesmente é. Sendo assim, o melhor é se entregar a ela, com ética, com responsabilidade, mas sem a ilusão do controle.

Que essa intuição se torne permanente em mim. Quero me manter entregue, “descontrolado”.

sábado, 22 de março de 2008

ESTRANHAS SEMELHANÇAS

Tem gente que me acha fisicamente parecido com o Chico...

Eu acho um pouco disso e mais. Especialmente na busca. Vide destaque.

VIDA

Vida, minha vida
Olha o que é que eu fiz
Deixei a fatia
Mais doce da vida
Na mesa dos homens
De vida vazia
Mas, vida, ali
Quem sabe, eu fui feliz

Vida, minha vida
Olha o que é que eu fiz
Verti minha vida
Nos cantos, na pia
Na casa dos homens
De vida vadia
Mas, vida, ali
Quem sabe, eu fui feliz

Luz, quero luz,
Sei que além das cortinas
São palcos azuis
E infinitas cortinas
Com palcos atrás
Arranca, vida
Estufa, veia
E pulsa, pulsa, pulsa,
Pulsa, pulsa mais
Mais, quero mais
Nem que todos os barcos
Recolham ao cais
Que os faróis da costeira
Me lancem sinais
Arranca, vida
Estufa, vela
Me leva, leva longe
Longe, leva mais


Vida, minha vida
Olha o que é que eu fiz
Toquei na ferida
Nos nervos, nos fios
Nos olhos dos homens
De olhos sombrios
Mas, vida, ali
Eu sei que fui feliz

quinta-feira, 20 de março de 2008

O ÔNUS DO CARRASCO.

É inevitável. Terei que fazer novamente.

Perdi a conta de quantas pessoas tive que demitir. É sempre um peso enorme para mim que jamais fui exonerado. Não conheço essa rejeição e talvez, até por isso, valorize demais a dor do rejeitado.
Tento, numa relação trabalhista, manter um equilíbrio entre o profissionalismo e a cortesia, mas raramente encontro reciprocidade. Novamente estou prestes a demitir alguém que se considera meu amigo, que confundiu trabalho com amizade.
Simplesmente não posso tolerar, bem que gostaria, mas não posso. Minha pequena empresa sobrevive graças ao rígido controle sobre cada gasto, cada investimento e não posso me dar ao luxo de dar asas a mais um sonhador como eu.
Essa é a maior dor: Estou afiando a lâmina da guilhotina para degolar alguém muito parecido comigo. Quando ele me procurou e desfiou seu rosário de atributos profissionais, ajudei-o a me convencer que seria uma ótima oportunidade para nós dois. Estávamos divagando no irreal mundo das hipóteses otimistas. Supus que ele conhecesse o caminho das pedras para fazer da pizzaria o negócio que sempre sonhei. O ideal que até então era só meu, naquela hora pareceu partilhado, compreendido.
Com o passar dos meses descobri que ele só tinha aquilo para me dar, ou seja, meus próprios sonhos.
Todas as melhorias implantadas por ele eram óbvias havia anos, só faltava a ação que ocorreu em duas ou três semanas. Aí o encanto acabou.
O aumento no faturamento desde a sua chegada nunca sequer cobriu a remuneração que recebe, ou seja: Contribuiu bastante, mas seu estoque de inovações acabou ou esbarrou na capacidade de investimento da pizzaria. A conta não fecha mais. Não tem como continuar.
Além de todos os detalhes econômicos, existem os entraves pessoais: Não posso mais conviver com alguém que tomou meu lugar de sonhador, que é mais irresponsável que eu, bebe mais do que eu, que aumentou minha carga de trabalho, criou desarmonia interna e externa e ainda por cima, ganha mais do que eu.
Enquanto não tomo coragem para dizer “hasta luego, baby”, ficarei aqui contemplando o brilho da lâmina e o engenhoso mecanismo da guilhotina como se o pescoço fosse de importância secundária. Assim fica mais fácil superar o desânimo que me referi na postagem anterior.

Ao carrasco restam os respingos e o inesquecível olhar do degolado. Nenhuma glória.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Milagre.


(Foto: Paulo Madeira em www.olhares.com -Portugal)
Vazio.
Sensação de vazio.
Não é depressão, é um buraco. Às vezes me pega e quer me sugar.
Aprendi que lutar é inútil, então encaro como uma pequena morte.
Para curar repito mentalmente a Oração de São Francisco que é uma súplica no avesso, onde a gente se oferece para servir. Simultaneamente tento convencer minha alma que tudo faz sentido, que esse “nada” é o espaço adequado para a plenitude que virá em seguida, porque “é morrendo que se vive para a vida eterna”. Sempre funciona. Está funcionando agora.
Sei que em alguns dias estarei novamente mais satisfeito com tudo e com o nada também.
Deve ser o milagre da Páscoa que nos é oferecido todos os dias.

Dica: Clique aqui.