quarta-feira, 30 de maio de 2007

MINHA NAMORADA


O pequeno repertório da fase experimental da Radio Kombinações (post anterior) não foi exatamente escolhido, apenas peguei quase tudo que tinha no computador e coloquei pra rodar aleatoriamente (às vezes trava).
Um benefício adicional de ter montado essa “rádio” foi ter redescoberto que é muito mais prazeroso trabalhar com música. Quando foi que eu parei de fazer isso?
Percebi também que meu gosto musical é eminentemente piropeiro (veja o post A Arte do Piropo). A enorme maioria das músicas fala de amor, mas não de amores perdidos, de dores de cotovelo. Cantam, quase sempre, a busca do amor possível, recíproco e perfeito; bem a minha cara (Vide os posts A Primeira Viagem e Amor e Repulsa). Desconfio que essa postura é o ingrediente fundamental da alma piropeira, ou pirôpera, como diz uma amiga querida.
Entre as quase cem músicas que estão “no ar” há uma que considero o hino dos piropeiros, uma composição de Carlos Lyra e Vinicius de Moraes (o Rei) que, segundo reza a lenda, foi a “arma” usada pelo Carlinhos para conquistar o coração da belíssima Kate, sua companheira há 40 anos. Não é pra menos: Não há piropeiro sério que não sinta uma pontinha de inveja da poesia perfeita, bem como é impossível imaginar uma mulher que mereça ser amada não se emocionar com essa música de 1962.



MINHA NAMORADA
VINICIUS DE MORAIS E CARLINHOS LYRA -1962


Se você quer ser minha namorada
Ah, que linda namorada
Você poderia ser
Se quiser ser somente minha
Exatamente essa coisinha
Essa coisa toda minha
Que ninguém mais pode ser


Você tem que me fazer um juramento
De só ter um pensamento
Ser só minha até morrer
E também de não perder esse jeitinho
De falar devagarinho
Essas histórias de você
E de repente me fazer muito carinho
E chorar bem de mansinho
Sem ninguém saber por quê


Porém, se mais do que minha namorada
Você quer ser minha amada
Minha amada, mas amada pra valer
Aquela amada pelo amor predestinada
Sem a qual a vida é nada
Sem a qual se quer morrer


Você tem que vir comigo em meu caminho
E talvez o meu caminho seja triste pra você
Os seus olhos têm que ser só dos meus olhos
Os seus braços o meu ninho
No silêncio de depois
E você tem que ser a estrela derradeira
Minha amiga e companheira
No infinito de nós dois

segunda-feira, 28 de maio de 2007

RÁDIO KOMBINAÇÕES

Eis uma novidade:
Estamos testando uma modalidade de comunicação que poderá ser muito útil durante a viagem.
Enquanto não arrumo um provedor de verdade, a programação está sendo "transmitida" aqui de casa mesmo.
Para ouvir clique na imagem aí em cima ou no link à direita.

domingo, 27 de maio de 2007

POR UMA VIDA CIGANA.




Estou em “produção produtiva”, apesar dos afazeres domésticos atrasados ficarem atormentando minha consciência.
Acho que existem três categorias de atividades: As que gostamos de fazer, as que devemos fazer e as que temos que fazer.
Sobre as que gostamos, nem é preciso falar, já, entre as que devemos fazer ficam aquelas nem sempre empolgantes, mas que resultarão em situações que nos darão prazer ou realização, para simplificar vou chama-las de “preliminares”. Um exemplo é essa ilustração aí em cima que acabei de terminar e faz parte de uma apresentação dirigida à agência de publicidade de um dos patrocinadores do Projeto Kombinações. Agora, as coisas que temos que fazer, eu as classifico naquelas obrigações repetitivas e vazias, que em determinados períodos da vida não arrumamos meios de delegá-las a outra pessoa, essa, por sua ótica, encararia essas tarefas na categoria “devo fazer”, por um salário, obviamente.
Enquanto traçava sobre o continente sul-americano o rascunho da viagem, contabilizei uma série de coisas que não terei mais que fazer por, no mínimo, um ano:
1. Lavar quintal (com Creolina).
2. Cortar grama.
3. Recolher o cocô da cachorra.
4. Varrer o jardim.
5. Molhar plantas.
6. Alimentar a Rita (razão dos cocôs no quintal).
7. Arrumar a cama.
8. Limpar o fogão.
9. Passar aspirador.
10. Colocar o tapete no sol.
11. Espanar livros.
12. Lavar o banheiro.
13. Passar roupas.
14. Arrumar o armário.
15. Encerar o quarto.
16. Lustrar os móveis.
17. Etc.
A lista é tão grande e sedutora que acho que vou me mudar para a Kombi muito antes da viagem começar.

sábado, 26 de maio de 2007

PEDRINHAS.

Há mais de 20 dias que não publico nada, não tive tempo. Fui consumido por uma espécie de motim eletrônico. Aqueles períodos que desejamos voltar para as cavernas.
Tudo começou com um aviso do monitor de um computador lá da pizzaria, ele passou a se comportar como um camaleão, exibindo aleatoriamente seu Red-Green-Blue, um de cada vez. Não parecia ser nada sério, nem suspeitei que fosse o primeiro sinal do inferno que os chips estavam preparando para mim. Descobri que com um bom pé-de-ouvido da direita para esquerda suas cores voltam ao normal por algumas horas. Dá pra ir levando, mas é claro que está agonizando.
Depois foi o PABX que pirou, esqueceu sua programação, nos proibiu de efetuar ou receber ligações. Pizzaria sem telefone é melhor fechar. Passei um dia inteiro, vestido com meu macacão de faz-tudo, soldando inúmeros fiozinhos, testando linhas, checando ramais. Orgulhoso, constatei que valeu a pena: Ficou quase como era antes. Está funcionando, mas terá que ser trocado.
Aí então, nosso servidor começou a engolir pedidos, eles simplesmente foram para um buraco negro de seu HD e nunca mais os encontramos. Perdi outras boas horas mexendo na programação do bicho, vasculhando seu banco de dados e mostrando pra ele quem é que manda nessa bagaça. Funcionou, mas suspeito que por poucos dias, também precisaremos de um computador novo.
Achei que essa rebelião de elétrons estava confinada à pizzaria, mas aqui em casa o PC também começou a se comportar de modo estranho. Sem mais razões ele passou a desligar e religar sozinho. Demorei três dias para descobrir que a placa de vídeo era a culpada. Trocada por uma nova e mais potente, agora posso até jogar Second Life, se conseguir entender a lógica da coisa que me parece obscura.
Contei tudo isso por dois motivos: Justificar a ausência de novos posts e ponderar sobre as coisas que resolvem quebrar simultaneamente.
Fiquei imaginando se uma avalanche dessas ocorrer quando eu estiver viajando, há milhares de quilômetros daqui. Sou maníaco por precaução, sei que terei um plano B e até um C para quase tudo, carregarei peças de reposição para a Hebe e para toda a parafernália eletrônica que vai me acompanhar. Mas como será quando quase tudo falhar ou quebrar, ao mesmo tempo, quando os planos B e C se esgotarem?
Numa viagem monitorada como essa, acompanhada virtualmente por (espero) milhares de pessoas, não poderei ficar “fora do ar por problemas técnicos” por muito tempo, terei compromissos com a audiência e com os patrocinadores.
Isso vinha me deixando paranóico, especialmente durante esses meus dias de “apagão” particular.
Lembrei-me então do Amir Klink, ele de novo. Por todas as suas andanças, ou naveganças, recolheu pequenas pedrinhas dos lugares que tiveram algum significado para ele, são lembranças singelas e gratuitas que o fazem recordar do essencial das viagens, o fato de ter estado naqueles lugares.
Vou fazer uma adaptação ao hábito do Amir e levar as pedrinhas de casa. Arrumarei uma caixinha para acomodá-las e, sempre que o plano A, o B ou o C forem insuficientes, apelarei para minhas pedrinhas. Na caixinha escreverei FODA-SE. Vai ser assim: Quando não houver mais solução por falta de recursos materiais, humanos ou climáticos, vou abrir minha caixinha de FODA-SE e arremessar uma pedrinha pela janela.
Essa idéia me deu um enorme conforto, é como se eu levasse um estoque de Prozac. Minha ansiedade baixou de forma surpreendente e acho que com a caixinha de FODA-SE ao meu lado ficarei muito mais seguro diante de qualquer adversidade.
Só tenho uma dúvida, sobre a qual peço a opinião de vocês, caros leitores: Devo levar uma outra caixinha? Rotulada com FODA-SE “B”?

domingo, 6 de maio de 2007

KOMBINAÇÕES - A revelação.


Finalmente a Revista CNT foi publicada (edição 141) e as “verdadeiras intenções” desse blog podem ser reveladas. Até hoje guardei um “quase segredo” em respeito ao ineditismo da entrevista. Abaixo a íntegra da “conversa teclada” com Ricardo Ballarine, editor-executivo da publicação. (não deixe de visitar o seu blog Verbo Transitivo – link aí à direita).


Desde quando você tem essa afinidade com a Kombi?
Descobri quase todo mundo tem lembranças boas relacionadas com Kombis. Era o carro do avô ou de um tio querido, a perua-escolar, o padeiro que trazia bombas e sonhos, ou o pamonheiro. No meu caso, tive o privilégio de ter um pai “kombidólotra”, ele teve várias Kombis, às vezes mais de uma simultaneamente, mesmo sendo o único motorista da família. Minha mãe era professora na mesma escola onde fiz o primário, ele nos levava e ia buscar todos os dias. Sendo o caçula de quatro irmãos que estudavam em outro colégio, aquele trajeto me parecia mágico. Eram nesses poucos minutos diários que sentado no banco da frente, entre meus pais, eu os tinha só pra mim. Tornei-me um motorista teórico nessas “aulas”. Observava a troca das marchas determinada pelo barulho do motor, o movimento dos pés sincronizados com a mudança de posição da enorme alavanca do câmbio. Quando tive oportunidade de pegar um carro pela primeira vez, aos treze anos, saí dirigindo Tenho ainda ótimas lembranças das férias de dois meses que passávamos na praia, todos os anos, sempre de Kombi.

E o projeto Kombinações, como surgiu?
Foi, como o nome também diz: A combinação de vários fatores pessoais e profissionais que me permitiram tirar da gaveta um sonho antigo. Há muitos anos pretendi fazer uma aventura assim com a mulher e filho a bordo de um barco. Cheguei a me habilitar como mestre-amador, fiz cursos de GPS e navegação astronômica, comprei todos os livros do Amyr Klink, da família Shürmann e tantos outros navegadores, mas não consegui levar o projeto adiante devido ao receio de minha mulher e o apego de meu filho à cidade, escola e amigos. Em outra ocasião propus a eles um projeto semelhante, só que de ônibus, pelo interior do Brasil, novamente fui voto vencido e o dinheiro do ônibus e do barco acabou sendo usado para montar a pizzaria que tenho hoje.

O que mudou agora?
Meu filho cresceu, eu me separei de minha mulher e agora tenho uma Kombi Luxo 1968 (risos).
Na verdade, aconteceram outras combinações. Eu comprei a Kombi em janeiro desse ano, por fotografia num site de leilões da internet por R$ 2.999,00. Minha intenção era ter um carro bem barato para me locomover da pizzaria para minha casa, pouco mais de cinco quilômetros. Dei o lance suspeitando que ela não valesse nem isso, mas, no primeiro dia com ela, quando a levei para o meu mecânico consertar o câmbio que escapava marchas, ele a examinou longa e minuciosamente. Finalmente perguntou onde eu havia arrumado “aquilo”. Constrangido, contei a ele a origem e já fui logo dizendo o quanto paguei por “aquilo”, com receio de passar por louco ou trouxa. Ele me ofereceu o dobro. Disse que eu havia achado a famosa “mosca branca”, que não acreditava estar vendo um carro dessa idade com a estrutura tão perfeita. Foi a partir disso que tirei da gaveta meus velhos projetos e os adaptei para uma aventura solitária a bordo da Kombi quarentona.
Kombinações também tem esse significado para mim, mas o nome é a síntese de toda a proposta: É uma viagem em busca das Nações que existem em nosso continente, não só as delimitadas por fronteiras internacionais, mas as inúmeras faces e hábitos do nosso povo sul-americano que combina sangues e culturas criando sempre novas versões, fazendo da gente dessa terra a mais rica e diversificada humanidade do planeta.

Quais serão os países visitados?
O roteiro estabelecido até o momento, parte de Bertioga, em São Paulo e segue até o Chuí, de lá, entra pelo Uruguai, Argentina, Chile, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela. Retorna ao Brasil por Boa Vista, em Roraima, cruza a região amazônica e reencontra o Atlântico no Nordeste e desce pelo litoral brasileiro até retornar ao ponto de partida em Bertioga. É um giro no continente em sentido horário com quase 30.000 quilômetros, sempre que possível, enxergando o mar à minha esquerda.

Por que a América Latina?
As Guianas ficaram de fora pela quase impossibilidade de acesso por via terrestre, não pelo fato de utilizarem idiomas não latinos. Quanto à Bolívia e Paraguai, não foram incluídos no roteiro num primeiro momento porque estou priorizando os limites impostos pelo mar. Mas estou trabalhando com uma boa folga na estimativa de quilometragem diária, se eu aumentar em 20% meu tempo diante do volante a cada deslocamento, posso incluir esses dois países. No momento estou detalhando o roteiro, tempo de paradas e datas. Comecei essa semana a colocar os alfinetes no mapa do Rio Grande do Sul, acredito que quando chegar ao Chile, ali pelos primeiros 7.000 quilômetros, terei uma idéia mais consistente da possibilidade e conveniência de incluir ou não os dois paises sem litoral.

E depois, há planos de novas viagens? E o Brasil, pensa em percorrer?
Sim, ainda nem fiz a primeira e já estou sonhando com mais duas nesse estilo e uma terceira que seria uma espécie de caravana de voluntários. As duas nos moldes de Kombinações seriam uma pela América Central, puramente turística e outra pelo interior do Brasil, visitando os menores e mais esquecidos povoados. A terceira viagem, essa do voluntariado, seria para retornar aos lugares brasileiros onde, nas passagens anteriores, eu tivesse identificado carências e especialmente potencialidades que os povos desses locais nem sequer tenham cogitado existir. É muito comum que o “forasteiro” enxergue riquezas e soluções óbvias em terras e realidades sociais diferentes da sua. Se o projeto Kombinações tiver a repercussão que eu imagino, não será difícil reunir pessoas de boa vontade para missões humanitárias que incluiriam desde ações no âmbito da saúde e higiene até professores e professoras de ofícios como costura, marcenaria, carpintaria, artesanato, etc..
As nossas universidades estão abarrotadas de soluções baratas para geração de energia, irrigação, estudos de viabilidade econômica de empreendimentos agrícolas familiares e implantação de cooperativas. É preciso que esse patrimônio intelectual e tecnológico chegue a quem mais precisa.
Posso até imaginar um pequeno povoado, pobre e esquecido, sendo invadido por uma ou duas semanas por dezenas de voluntários das mais diversas áreas, trazendo um caminhão de benefícios, cuidados e, principalmente, conhecimento. Sei que isso mudaria de forma positiva a vida de todos os envolvidos, a ponto de no final, nem visitantes nem anfitriões saberem quem foram os verdadeiros beneficiados. Eu já presenciei uma situação assim.

Qual a data de partida e a duração da viagem?
Se eu fiz a leitura correta do número de identificação que consta na plaqueta da Kombi, quero sair no dia do seu quadragésimo aniversário: 22 de Abril de 2008. Não consegui ainda uma confirmação confiável da data de fabricação, mas gostaria muito de fazer esse ritual. Afinal, dizem, a vida começa aos quarenta.
O roteiro está sendo elaborado para durar exatamente um ano. Mas há diversas variáveis, especialmente climáticas que podem alterar em alguns dias essa previsão, inclusive a data de partida.

Existe alguma razão especial para partir de Bertioga?
O Amyr Klink, diz em seu livro Paratii, que o momento mais difícil da viagem é a partida. Eu pretendo diluir isso em três despedidas: A primeira em Sousas, distrito de Campinas, minha terra e onde tenho a pizzaria, por razões óbvias; A segunda em São Bernardo do Campo, na fábrica da Volkswagen, mas eles (da VW) ainda não sabem disso (risos), e a terceira e marco oficial do início da viagem, em Bertioga, lugar onde passava aquelas longas férias na infância, sempre levado pelas Kombis de meu pai. Em minha memória Bertioga e Kombi são inseparáveis.

Que adaptações serão feitas na Kombi para a viagem?
Ela está sendo restaurada. Voltará a ter todas suas características originais. Quero fazer o mínimo de adaptações possíveis, só vou alterar o que for absolutamente necessário, como a parte elétrica, por exemplo, que terá que ser robusta para suportar os diversos equipamentos eletrônicos que serão instalados nela. Esteticamente ela ficará como no dia que saiu da linha de produção.

Que equipamentos serão esses?
Um sistema de navegação por GPS, um rastreador por satélite, um sistema de comunicação por telefone e internet, um computador de boa capacidade para edição de imagens, um laptop como backup e para uso no campo, carregadores de baterias para equipamentos portáteis como câmeras digitais e filmadoras, uma mini-geladeira, um ventilador e o som, se não me esqueci de nada.

Numa viagem com essa quilometragem e duração é de se esperar por imprevistos. Na eventualidade de defeitos na Kombi, como você pretende agir?
Tenho um bom conhecimento de como me safar dos problemas mais comuns que costumam ocorrer. Vou levar uma oficina básica, um manual da época de diagnósticos e manutenção e várias peças sobressalentes como um carburador, bomba de combustível, bobina, velas, correias, cabos de acelerador e embreagem, câmeras de ar e, evidentemente, um rolo de arame que conserta quase tudo nos Volkswagen daquela época.
Percebo uma grande apreensão das pessoas quando conto a idade da Kombi que vai me levar nessa viagem. Nessas ocasiões costumo lembrar que o Boeing 707 que servia aos presidentes do Brasil até pouco tempo atrás, o Sucatão, foi fabricado também em 1968. Tudo é uma questão de manutenção adequada. Além do mais, se eu estiver errado e ela quebrar, estaremos no chão e não voando (risos).

Onde você dormirá nessas 365 noites? Em hotéis?
Não. A simplicidade faz parte da filosofia desse projeto. Na maioria das vezes vou dormir em campings, na barraca dobrável que será instalada no bagageiro da Kombi. Posso eventualmente ficar em pousadas, mas somente se forem atraentes por outros aspectos que não seja o luxo. Os hotéis, por sua natureza, primam pela privacidade e essa viagem foca exatamente o contrário, o contato humano, a feitura de laços, a troca de experiências.

E os custos do projeto? Há patrocinadores ou trata-se de uma produção independente?
Vou precisar de patrocinadores. Espero contar com o apoio de empresas ligadas, à telecomunicação, ao turismo de aventura, mapeamento digitalizado e rastreamento rodoviário, e evidentemente, da montadora.

Você já concretizou alguma parceria?
Sim, com a Softway que produz soluções e softwares específicos para o comércio exterior, uma espécie de despachante aduaneiro eletrônico e instantâneo. Eles vão me dar um considerável suporte financeiro durante a viagem.
Oportunamente essa entrevista está se antecipando aos contatos em busca de patrocínio que eu pretendo fazer nos próximos meses, o que é bom, pois vai abrir várias portas.

Que espécie de retorno seus patrocinadores podem esperar?
Agora temos que deixar um pouco de lado a poesia que norteia essa viagem e falar de comunicação comercial. Vou tentar pintar um quadro sem citar os nomes das empresas que sonho como parceiras.
Basicamente pretendo me expor como se fosse o único participante de um reality-show itinerante. Quero que qualquer pessoa que tenha acesso a um computador, possa participar dessa viagem de diversas formas: Checando minha posição, rumo e velocidade num mapa ou imagem de satélite quando acessar o site da empresa de rastreamento de veículos, pode ainda solicitar no site de ampliações digitais que eu tire uma foto de um ponto no qual ela tenha interesse e receber essa foto em casa pelos correios, pode chegar junto comigo em Ushuaia ou Manaus através das imagens captadas pelas câmeras da Kombi e transmitidas ao vivo (ou quase) pela empresa de telefonia, pode participar de um “chat” comigo no site da montadora. Pode acessar, a partir do site do projeto ou do meu blog, produtos ou serviços que eu tenha usado e aprovado na viagem. As possibilidades pela internet são infinitas, além do que, pretendo escrever e fotografar como freelancer para veículos de mídia impressa.
Para isso estou fazendo um pesado investimento em mim mesmo, aprendendo espanhol, fotografia, cinema e edição digital de imagens.

As parcerias vão se restringir à empresas ou produtos diretamente ligadas à viagem?
Não necessariamente. Qualquer empresa social e comercialmente ética é bem-vinda, desde que sua participação não implique na deturpação do projeto.

Você deu um nome para sua Kombi, se importa em dizer?
Não vejo problema, mas antes quero esclarecer que se trata de uma homenagem carinhosa as duas, a Kombi e a pessoa.
O nome é Hebe. É perua, é coroa, mas está enxuta!
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Fim, ou melhor, isso é só o começo!

quinta-feira, 3 de maio de 2007

NOSSA SENHORA DA KOMBI


Não sou religioso, mas estou muito longe de ser ateu. Digamos que tenho bastante afinidade com a espiritualidade desde que mantida distante de templos e igrejas. De tempos em tempos me pego especulando doutrinas, mas nunca tive o necessário desprendimento intelectual para me entregar a alguma religião, de forma cega, como fazem os “verdadeiros crentes”, porém, alguns fatos ocorridos ao longo de minha vida, me fazem suspeitar que goze de certo prestígio “lá em cima”.
Sem querer parecer pretencioso nem, longe de mim, cometer blasfêmia, acho que Nossa Senhora é minha devota. Digo isso baseado numa série de acontecimentos da minha história pessoal na qual Ela se mostrou amorosamente presente. Questionei-me várias vezes o porquê dessa relação não ser recíproca. Já tentei reverencia-la na imagem clássica da Igreja Católica, experimentei encaixa-la na personalidade de Deus-Pai-Mãe das filosofias orientais, vê-la como a Mãe Divina dos nativos americanos e nem assim consegui desenvolver a devoção que, creio, Ela merece.
Soube por minha mãe que quando era bebê fui consagrado a Nossa Senhora num convento em que, supostamente, algumas freiras rezam por mim todos os dias desde então. Talvez seja por isso que nas horas de maior aflição ou de extrema alegria, ou ainda sem qualquer aviso, Ela se mostre ou interfira em meu benefício. São várias as minhas histórias com Ela, mas aqui vou contar uma que tem a ver com o foco desse blog: A Kombi.
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Eu devia ter nove ou dez anos e voltava da escola, sentado entre meus pais no banco da frente da Kombi. Nós três fazíamos o mesmo trajeto diariamente, por volta do meio dia. Minha mãe lecionava no pré-primário e eu, suponho, estava no quarto ano.
Mamãe abominava as Kombis que meu pai amava. Ela vivia repetindo que o carro não tinha frente e no caso de uma batida, sem dúvida, seríamos mortos. Já meu pai alegava que carro algum foi feito para se envolver em acidentes, especialmente pra bater de frente.
O velho Joaquim era um ótimo motorista, precavido e atento, aprendi com ele a dirigir mirando quadras à frente, me antecipando às intenções dos outros motoristas.
Nesse período, minha mãe passava por um “esgotamento nervoso”, como ela mesma dizia e seu comportamento dentro da perua era pra lá de paranóico. Por conta desse desequilíbrio emocional ela se tornou muito apegada aos costumes católicos e ao entrar no carro, benzia-se e rezava baixinho alguma prece, agarrava aquela alça do painel conhecida como “puta-que-pariu” com tamanha força que seus dedos ficavam brancos. Para desespero do meu pai ela encarnava o co-piloto e vinha por todo o caminho tendo faniquitos e causando sustos:
_Vai devagar! Cuidado, Joaquim! Olha o carro!
Não raro, isso terminava em acaloradas discussões.
Num desses dias, de inverno, creio, por conta da lembrança de estar usando o agasalho azul-marinho do uniforme escolar, foi meu pai quem gritou:
_Olha aquilo!
Ele se referia a um furgão Chevrolet, verde-exército, muito usado naquela época para entregar leite em garrafas retornáveis de um litro.
Estávamos descendo a Avenida Salles de Oliveira, na Vila Industrial num trecho que lembra uma montanha russa, imediatamente no final da descida começa um aclive forte, na altura das “garagens de trens” da extinta Fepasa.
O furgão vinha em sentido contrário, em alta velocidade e na contramão, piscando os faróis, buzinando e desviando, como podia dos outros carros. Resvalou num DKV que seguia a nossa frente, voltou para a pista correta e bateu de lado num ônibus que o trouxe de novo para nossa pista. Ele veio diretamente para nós, devia estar há uns dez metros quando tudo ficou escuro e escutei minha mãe gritar:
_Minha Nossa Senhora Aparecida!
Ela havia tapado meus olhos com sua mão direita que, inacreditavelmente, soltou o “puta-que-pariu”.
Eu vi o “filminho” de minha curta existência passar. Foi a primeira vez que isso me aconteceu.
A Kombi, que nessas alturas já estava imóvel, balançou violentamente antes de ouvirmos o estrondo de uma batida.
Lembro de minha mãe histérica, da buzina do Chevrolet disparada e do meu pai correndo para auxiliar o motorista que havia espatifado o furgão na lateral de um carro, há uns oito metros atrás de nós.
Enquanto minha mãe rezava e chorava, eu continuava atônito sentadinho no meio do banco dianteiro tentando entender o que havia acontecido.
Meu pai voltou com uma expressão aliviada, comentou que o motorista do furgão tinha perdido os freios e que, com o impacto, se machucou um pouco, nada grave. Depois foi avaliar o estrago na lateral direita da perua, por onde o furgão havia passado.
Ainda dentro da Kombi, me recordo perfeitamente de acompanhar sua cara passando pelas janelas laterais enquanto fazia a inspeção
De repente, sem motivo aparente, ele começou a chorar. Sentou-se na sarjeta, colocou o rosto entre as mãos e chorou copiosamente. Minha mãe desceu e eu a acompanhei. Ele tentava explicar alguma coisa, apontou para o carro e balbuciou “num cabe, num cabe”, diversas vezes.
Eu fui ver o que tinha acontecido com a perua e descobri que ela apenas tinha perdido a maçaneta externa da porta do passageiro, que já andava meio arreganhada, além disso, nenhum arranhão. Achei a peça na calçada há uns cinco metros da Kombi e fui entregá-la ao meu pai, na tentativa de consolá-lo e acabar com aquela situação constrangedora. O público se aglomerou para ver o acidente e ficamos no meio de um picadeiro.
Numa atitude ainda mais incomum e inesperada, meu pai me puxou pela mão para sentar ao seu lado na sarjeta. Com o braço sobre meus ombros ele me apertava, beijava minha cabeça e continuava a chorar. Eu também embalei no choro sem saber a razão, simplesmente fui contagiado pela a emoção dele. Ficamos ali uns bons minutos até ele se acalmar. Minha mãe sem entender o que estava acontecendo, sentou-se ao seu lado e ficou quieta.
Finalmente, depois de ensopar o lenço, entre fungadas, ele conseguiu insinuar o que tinha causado tamanho choro. Como era típico dele, mostrou ao lado da Kombi um poste, esperando que chegássemos à mesma conclusão óbvia que ele havia alcançado.
_Olha o poste! Falou pra minha mãe.
Ela foi lá, procurou por algum sinal de tinta do furgão e não encontrando nada, voltou com uma expressão de desentendida.
Didaticamente ele perguntou a ela como é que um furgão daquele tamanho poderia ter se espremido num espaço de apenas um metro entre a Kombi e o poste, com uma roda sobre a calçada e outra na rua.
Minha mãe, ingenuamente, falou que o furgão deveria ter passado entre o tal poste e o muro, o que causou uma leve irritação no meu pai.
_Mesmo se fosse assim, Clara, o espaço ali também é menor do que o furgão. E tem mais: Então me explique o chacoalhão que sentimos e o trinco da porta arrancado.
Aí foi a vez de minha mãe, "de ficha caída", desabar no choro. Ela falou diversas vezes em milagre, atribuiu a nossa sobrevivência ao clamor por Nossa Senhora que fez no último segundo, disse que tinha tampado meus olhos para que eu não visse a morte, que ela tinha certeza de que aquele era o nosso fim, repetia tudo isso com tal convicção que conseguiu me assustar ainda mais.
Concluímos, eu por falta de opção, que milagre era a única explicação para aquilo, já que meus pais também haviam fechado os olhos na hora do impacto e da mesma forma viram os seus “filminhos” serem exibidos. Coisa idêntica ocorreu com o motorista do furgão, inquerido por meu pai antes de irmos embora.

Enquanto papai era vivo, recordamos muitas vezes o episódio, como se nos beliscassemos para nos certificar de que tudo realmente ocorreu dessa maneira. Não contente, essa semana, passados uns 35 anos do "milagre", fui visitar o poste e, com meu carro parado no mesmo lugar onde a Kombi estava, tentando ser o mais cético que pude, tive certeza da impossibilidade física daquilo ter acontecido. Mas aconteceu.
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Essa história ficou esquecida em alguma gaveta de memórias da minha infância e só veio à tona quando comprei a Hebe em janeiro último. Em meio a um monte de lixo que tirei de trás do seu banco dianteiro, encontrei um antigo imã com uma imagem desbotada de Nossa Senhora de Aparecida que fiz questão de preservar e vai, evidentemente, decorar o painel da perua. Mais uma: A oficina do Pedrinho, onde a perua está sendo restaurada, chama-se também Nossa Senhora Aparecida, como pode ser vista numa das fotos do álbum.
Para diminuir minha dívida com Ela, tenho pensado em fazer a viagem inaugural da Kombi restaurada para Aparecida do Norte, porque talvez, devoção seja uma questão de prática. Mas como eu não sei rezar, vou apenas mostrar meu olhar, meu olhar, meu olhar.* (Quem sabe o que perdemos ao fechar os olhos naquele instante?)
*Renato Teixeira em Romaria.