Domingo passado, por volta das nove da noite a pizzaria foi novamente brindada com uma visita pra lá de especial. A cada três ou quatro meses temos a satisfação de servir à um coral, pequeno, mas ótimo.
Não sei o nome do grupo, nem de nenhum dos integrantes. Eles formam uma mesa comprida, normalmente bem no centro do salão interno que tem mais de seis metros de pé-direito e uma acústica de catedral.
O ritual é sempre o mesmo: Depois de comerem e beberem, o regente tira do bolso um diapasão e o faz soar batendo com o dorso de uma faca. Puxa uma nota, experimenta outra e quando alcança o tom ideal, todos eles começam a cantar.
Abaixamos o som ambiente, as outras mesas sequer fazem barulho com os talheres. Ficamos todos envolvidos por esse admirável instrumento que é a voz humana.
É de arrepiar. Lindo, lindo!
Nessa última visita, “beneficiado” pelo fraco movimento, pude ficar bem perto deles enquanto cantavam. Pratiquei “espionagem explicita”. Além de ouvir, espreitei-os por vários ângulos, analisei cada rosto, registrei todos os sorrisos, os movimentos das mãos e as trocas de olhares. Creiam: Eles estavam felizes, muito felizes, quase em êxtase.
Se não fosse por minha mínima timidez e enorme desafinação teria abordado o regente, suplicando de joelhos uma chance de ser uma contribuição anônima naquele som contagiante.
Cantaram umas cinco músicas, receberam os merecidos aplausos em cada uma delas, pagaram a conta e foram embora.
Fiquei lá, meio que paspalho, me questionando do porque não me aproximei, não me apresentei, não ofereci café, ou desconto para que voltassem com mais freqüência. Por que não fiz contato?
Mais tarde, em casa, cheguei à conclusão de que eu fiquei intimidado pela beleza, pela perfeição do que tinha presenciado. Só isso justificaria minha postura petrificada diante deles, coisa que não ocorre com personalidades ou autoridades que igualmente freqüentam a pizzaria.
Fiquei matutando sobre aquela felicidade escancarada que eles transmitiam enquanto cantavam e acho que tirei algumas lições:
1. Não há competição. Para que a perfeição se instale é preciso que cada um fale (cante) somente o que lhe cabe, no volume e momento adequado.
2. Há uma intensa comunicação não verbal onde eles demonstram total atenção aos gestos e ao olhar de seus companheiros.
3. Ocorre uma anulação do individual pelo coletivo.
4. Tudo isso proporciona sorrisos recíprocos que realimentam e potencializam as virtudes anteriores. É nítido como o conjunto melhora a cada segundo de uma música e eles vão ficando mais e mais felizes.
Não satisfeito com minha neo-pseudo-teoria da felicidade cantante, continuei em minhas sóbrias (é sério) divagações sobre a voz e as palavras. Concluí que a maior parte de tudo que ouvimos ou dizemos é lixo; não atende às condições colocadas acima.
Não sei o nome do grupo, nem de nenhum dos integrantes. Eles formam uma mesa comprida, normalmente bem no centro do salão interno que tem mais de seis metros de pé-direito e uma acústica de catedral.
O ritual é sempre o mesmo: Depois de comerem e beberem, o regente tira do bolso um diapasão e o faz soar batendo com o dorso de uma faca. Puxa uma nota, experimenta outra e quando alcança o tom ideal, todos eles começam a cantar.
Abaixamos o som ambiente, as outras mesas sequer fazem barulho com os talheres. Ficamos todos envolvidos por esse admirável instrumento que é a voz humana.
É de arrepiar. Lindo, lindo!
Nessa última visita, “beneficiado” pelo fraco movimento, pude ficar bem perto deles enquanto cantavam. Pratiquei “espionagem explicita”. Além de ouvir, espreitei-os por vários ângulos, analisei cada rosto, registrei todos os sorrisos, os movimentos das mãos e as trocas de olhares. Creiam: Eles estavam felizes, muito felizes, quase em êxtase.
Se não fosse por minha mínima timidez e enorme desafinação teria abordado o regente, suplicando de joelhos uma chance de ser uma contribuição anônima naquele som contagiante.
Cantaram umas cinco músicas, receberam os merecidos aplausos em cada uma delas, pagaram a conta e foram embora.
Fiquei lá, meio que paspalho, me questionando do porque não me aproximei, não me apresentei, não ofereci café, ou desconto para que voltassem com mais freqüência. Por que não fiz contato?
Mais tarde, em casa, cheguei à conclusão de que eu fiquei intimidado pela beleza, pela perfeição do que tinha presenciado. Só isso justificaria minha postura petrificada diante deles, coisa que não ocorre com personalidades ou autoridades que igualmente freqüentam a pizzaria.
Fiquei matutando sobre aquela felicidade escancarada que eles transmitiam enquanto cantavam e acho que tirei algumas lições:
1. Não há competição. Para que a perfeição se instale é preciso que cada um fale (cante) somente o que lhe cabe, no volume e momento adequado.
2. Há uma intensa comunicação não verbal onde eles demonstram total atenção aos gestos e ao olhar de seus companheiros.
3. Ocorre uma anulação do individual pelo coletivo.
4. Tudo isso proporciona sorrisos recíprocos que realimentam e potencializam as virtudes anteriores. É nítido como o conjunto melhora a cada segundo de uma música e eles vão ficando mais e mais felizes.
Não satisfeito com minha neo-pseudo-teoria da felicidade cantante, continuei em minhas sóbrias (é sério) divagações sobre a voz e as palavras. Concluí que a maior parte de tudo que ouvimos ou dizemos é lixo; não atende às condições colocadas acima.
Habitualmente as conversas do dia-a-dia são disputas recheadas com repetições, em volume inadequado e interrupções de raciocínio. Raros são os ouvintes que põe total atenção no conteúdo verbal, nos gestos e nos olhares de seus interlocutores com a intenção de captar integralmente o conteúdo do que está sendo proposto.
O individual sobrepõe o coletivo: Uma conversa, qualquer conversa, costuma defender raivosamente pontos de vista, não verdades.
Finalmente, quase nunca sorrimos quando conversamos, Nós rimos, até gargalhamos, mas não sorrimos, pois as motivações são diferentes. Nas conversas rimos e damos sonoras gargalhadas de uma situação cômica, que invariavelmente é quando alguém se ferra.
Já os sorrisos dos cantores daquele coral tinham algo de santo, motivados pela contemplação da beleza construída com a contribuição de cada um.
Estou seriamente inclinado a procurar um coral. Se não for aceito devido à minha desafinação, submeto-me a ficar calado e esperar o momento daquele “estado de graça” para, pelo menos, sorrir com eles.