terça-feira, 27 de março de 2007

O CORAL.




Domingo passado, por volta das nove da noite a pizzaria foi novamente brindada com uma visita pra lá de especial. A cada três ou quatro meses temos a satisfação de servir à um coral, pequeno, mas ótimo.
Não sei o nome do grupo, nem de nenhum dos integrantes. Eles formam uma mesa comprida, normalmente bem no centro do salão interno que tem mais de seis metros de pé-direito e uma acústica de catedral.
O ritual é sempre o mesmo: Depois de comerem e beberem, o regente tira do bolso um diapasão e o faz soar batendo com o dorso de uma faca. Puxa uma nota, experimenta outra e quando alcança o tom ideal, todos eles começam a cantar.
Abaixamos o som ambiente, as outras mesas sequer fazem barulho com os talheres. Ficamos todos envolvidos por esse admirável instrumento que é a voz humana.
É de arrepiar. Lindo, lindo!
Nessa última visita, “beneficiado” pelo fraco movimento, pude ficar bem perto deles enquanto cantavam. Pratiquei “espionagem explicita”. Além de ouvir, espreitei-os por vários ângulos, analisei cada rosto, registrei todos os sorrisos, os movimentos das mãos e as trocas de olhares. Creiam: Eles estavam felizes, muito felizes, quase em êxtase.
Se não fosse por minha mínima timidez e enorme desafinação teria abordado o regente, suplicando de joelhos uma chance de ser uma contribuição anônima naquele som contagiante.
Cantaram umas cinco músicas, receberam os merecidos aplausos em cada uma delas, pagaram a conta e foram embora.
Fiquei lá, meio que paspalho, me questionando do porque não me aproximei, não me apresentei, não ofereci café, ou desconto para que voltassem com mais freqüência. Por que não fiz contato?
Mais tarde, em casa, cheguei à conclusão de que eu fiquei intimidado pela beleza, pela perfeição do que tinha presenciado. Só isso justificaria minha postura petrificada diante deles, coisa que não ocorre com personalidades ou autoridades que igualmente freqüentam a pizzaria.
Fiquei matutando sobre aquela felicidade escancarada que eles transmitiam enquanto cantavam e acho que tirei algumas lições:

1. Não há competição. Para que a perfeição se instale é preciso que cada um fale (cante) somente o que lhe cabe, no volume e momento adequado.
2. Há uma intensa comunicação não verbal onde eles demonstram total atenção aos gestos e ao olhar de seus companheiros.
3. Ocorre uma anulação do individual pelo coletivo.
4. Tudo isso proporciona sorrisos recíprocos que realimentam e potencializam as virtudes anteriores. É nítido como o conjunto melhora a cada segundo de uma música e eles vão ficando mais e mais felizes.

Não satisfeito com minha neo-pseudo-teoria da felicidade cantante, continuei em minhas sóbrias (é sério) divagações sobre a voz e as palavras. Concluí que a maior parte de tudo que ouvimos ou dizemos é lixo; não atende às condições colocadas acima.
Habitualmente as conversas do dia-a-dia são disputas recheadas com repetições, em volume inadequado e interrupções de raciocínio. Raros são os ouvintes que põe total atenção no conteúdo verbal, nos gestos e nos olhares de seus interlocutores com a intenção de captar integralmente o conteúdo do que está sendo proposto.
O individual sobrepõe o coletivo: Uma conversa, qualquer conversa, costuma defender raivosamente pontos de vista, não verdades.
Finalmente, quase nunca sorrimos quando conversamos, Nós rimos, até gargalhamos, mas não sorrimos, pois as motivações são diferentes. Nas conversas rimos e damos sonoras gargalhadas de uma situação cômica, que invariavelmente é quando alguém se ferra.

Já os sorrisos dos cantores daquele coral tinham algo de santo, motivados pela contemplação da beleza construída com a contribuição de cada um.

Estou seriamente inclinado a procurar um coral. Se não for aceito devido à minha desafinação, submeto-me a ficar calado e esperar o momento daquele “estado de graça” para, pelo menos, sorrir com eles.

quarta-feira, 21 de março de 2007

UM ANO-NOVO PRA CHAMAR DE MEU.

É Outono.
Aprendi a amar essa estação quando a entendi como uma Primavera de trás-pra-frente.
As temperaturas amenizando, as sombras se alongando e as trilhas, onde caminho todos os dias, perdendo muitos dos seus verdes. É a temporada dos sépias. Já quase não se ouvem mais os sabiás, as corruíras calaram-se em fevereiro, os ribeirões próximos de casa começaram a minguar. A vida está entrando novamente em um período de recolhimento e nos convida à reflexão.
Hoje, enquanto caminhava, revi datas importantes de minha vida e cheguei à conclusão de que os quarenta e cinco 31 de Dezembro que comemorei nunca trouxeram nenhuma mudança significativa nos rumos de minha existência. Já os 30 de Junho acumulam a data de meu casamento em 1979, o primeiro dia de trabalho na Coca-Cola em 1981 e também o último dia nessa companhia em 1985, no dia seguinte eu iniciava minha carreira solo, primeiro como representante comercial e exatamente um ano mais tarde como comerciante. Também foi nesse período do ano passado que decidi que o relacionamento iniciado 27 Invernos antes havia chegado ao fim. Suponho que todas outras datas importantes de minha vida situam-se no segundo semestre: o nascimento de meu filho em Dezembro, o meu próprio em Novembro, a fundação da minha extinta loja de bebidas, a mudança dela para um endereço chique e a posterior abertura da pizzaria em Outubros. Ainda fatos tristes, mas não menos reorientadores como a morte de meu pai em Outubro de 1982 e de minha mãe no Julho de 2003.
Baseado nisso, acabo de decretar uma nova data para meu ano-novo particular: 21 de Junho. Acho que faz mais sentido: É início do inverno no hemisfério sul, o fundo do poço para quem mora abaixo do equador. Daí pra frente, a vida tende a prosperar novamente, as noites vão encurtar, os dias espichar, as sementes preparam-se para absorver a água e o calor do sol dos próximos meses. Nos pastos, cabras e ovelhas entram em seu período fértil. A orquestra da natureza começa seu ensaio para a as grandes sinfonias da Primavera e do Verão.
Desse ano em diante vou festejar o solstício de Inverno, o fim da fossa, a promessa de vida que se renova por toda parte, vou ajustar meu calendário e criar novos rituais: Em vez de pular ondinhas, tomar cerveja e me empanturrar de peru, leitoa e salpicão vestido de branco, vou convidar os amigos para, usando agasalhos amarelos ou vermelhos, saborear uma sopa de legumes, torradas com ervas, talvez um fondue e apreciar um bom tinto junto à fogueira. Podemos petiscar pipocas, amendoins, batatas-doce... De sobremesa um doce de abóbora com coco queimado ou um bolo de cenoura com mel e cobertura de chocolate meio-amargo.
Nada de rojões, gritos e espocar de champagnes que denunciam uma falsa felicidade histérica.
Nessa noite fria, convém que conversemos com os corações abertos sobre nossos projetos e sonhos para o período fértil que se inicia. Declararemos nossos propósitos: parar de fumar, voltar para a academia, aprender espanhol ou chinês, listar os livros que leremos... Mas devemos, principalmente, renovar nossos laços de amizade e solidariedade. Ao invés de trocarmos abraços ébrios, vigorosos e vazios como nos reveillons dezembrinos, permanecermos todos com as mãos e os braços dados, aconchegados uns nos outros com a serenidade dos que sabem que a vida está prestes a florescer novamente.

Coloque na agenda:
SOLSTÍCIO DE INVERNO EM 2007:
Dia 21 de Junho, quinta-feira – 15H07min.

segunda-feira, 19 de março de 2007

CAMELÔ FILOSÓFICO Nº. 2 - AMA QUE O FILHO É TEU!


(para Maumau & Cacá)

Tenho um amigo antigo e muito especial que há cerca de 15 anos tornou-se um casal. Ao contrário do que costuma acontecer, a transformação dele em dois nos aproximou ainda mais. Sua mulher soube receber e ser bem-vinda por todos que o conheciam anteriormente.
Desde então acompanhamos mutuamente o desenrolar de nossas vidas com o respeito à individualidade e ao “espaço” necessários às amizades duradouras. As vezes passamos meses sem nos ver, noutros períodos nos encontramos todos os dias. Há tempos que é mais gostoso estar com ele, e passar horas trocando desacatos e fazendo gozações sobre tudo e todos, outras vezes é delicioso estar com ela “levando um papo-cabeça”. Mas o melhor mesmo é estar com os dois simultaneamente e ficar completamente atordoado com suas enormes afinidades e gigantescas diferenças que eles administram tão bem.
Semana passada, fiquei muito feliz ao receber a noticia que o casal vai se transformar em um trio, ou quarteto, ou quinteto... Sei lá. O que importa é que eles embarcaram na fantástica aventura de gerar alguém, de cuidar de alguém, de educar e, principalmente amar esse alguém.
Ao contrário da minha história, eles já estão maduros, com a vida financeira estabilizada e podem traçar uma estratégia para os próximos anos ao lado das crias. Isso é ótimo e pode evitar muitos erros que eu, por exemplo, cometi. Eu “me vi pai” aos dezoito anos e aquela situação, na época, me trouxe mais responsabilidades do que realização. Foi uma pena. Encarar um momento tão especial como esse sob a sombra dos compromissos e obrigações me fez perder muito. Dentre todas as trapalhadas, a que mais me entristece até hoje é não ter deixado claro o meu amor incondicional ao filhote e por isso não ter usufruído plenamente aqueles dias.
É óbvio que sempre amei meu filho, agora mais do que nunca, pois amo também o amigo e a pessoa extraordinária que ele se tornou, mas durante seu crescimento atropelei, com minha precoce rigidez, inúmeras oportunidades de demonstrar meu amor a ele nos momentos em que mais precisava: Quando ele errava, quando ele falhava...
Eu achava que criar e educar era uma tarefa que só se fazia com repreensões, olhares monstruosos e castigos. Ainda acredito que possa ser uma boa técnica, desde que fique sempre evidente que independente de qualquer travessura e correspondente castigo, que a criança é amada. Muito amada.
Meu engano foi entender que cada deslize do filho revelava uma falha minha na tarefa de educa-lo. Nos primeiros anos não conseguia vê-lo como um indivíduo, tratava-o como uma extensão rebelde de mim mesmo.
Se pudesse voltar no tempo, acho que não o pouparia de nenhuma das repreensões e castigos que apliquei, mas com o que sei hoje, essas medidas disciplinadoras não teriam a carga emocional que eu costumava empregar nesses episódios. Agora, mais maduro, seria um pai fleumático, argumentador incansável, quase cínico: -Querido, não adianta choramingar. Eu não vou te dar esse brinquedo hoje. Por favor não insista. Estou preparado para te dizer não um milhão de vezes, até que você entenda. Vamos mudar de assunto? Vem cá e me dá um beijo.
Ainda, teria mais tempo pra ele e suas aborrecidas sessões de perguntas intermináveis, daria mais banhos, mais sorvetes e pipocas, mais guerras de travesseiros, mais horas e passeios só nós dois.
Aprendi com meus erros que filhos não são empreendimentos. Os filhos, como os pais não são. Eles estão. Estão vivendo uma versão de si mesmos, que seguramente não será a mesma daqui alguns dias, alguns meses ou alguns anos. Estão em contínuo processo de mudança e quase sempre evoluindo. Portanto, não há que se dar gravidade ao que é passageiro.
Essa aventura, essa viagem, passa muito rapidamente, portanto amigos, levem a máquina fotográfica da sabedoria para que se revele nas lembranças o amor incondicional pelos companheiros mais novos, cujas guardas nos foram dadas. Algumas fotos podem não ficar tão boas, nem muito nítidas ou alegres. Mas que todas tenham sido “iluminadas pelo amor”.
Ninguém disse nada mais adequado do que Che Guevara para encerrar esse texto: “Hai (algumas vezes) que endurecer, pero sin perder la ternura, jamás”!
em tempo: Na foto meus pais e eu em Bertioga, verão de 1962/63 .

quarta-feira, 14 de março de 2007

TESTAMENTO


Existe uma síndrome, que não é incomum, cujos sintomas precedem as tempestades de verão. Tem alguma relação com a ionização do ar nas camadas mais próximas ao solo. Os indivíduos acometidos por ela manifestam sintomas horríveis como tonturas, moleza generalizada, falta de concentração, deficiência respiratória e outros tantos que nem vale a pena citar. Quanto maior a promessa de tempestade, mais fortes são os sintomas que cessam como mágica no primeiro vento úmido de chuva que atinge o infeliz.
No início do verão é sempre mais dramático, não sei explicar a razão.
Eu sou um desses barômetros humanos e dias depois do meu aniversário, em novembro último, fui surpreendido com a primeira crise da temporada e a mais violenta que já experimentei. Estava em casa sozinho quando os sintomas chegaram todos de uma vez em sua intensidade máxima. Mal conseguia respirar. Entrei em pânico e achei que ia morrer. A coisa foi tão inesperada que não associei os sintomas ao clima, já que normalmente o mal-estar vem chegando de mansinho.
Quieto, nessa cadeira onde digito agora, comecei a imaginar que deveria abrir a porta para facilitar um eventual socorro ou até a entrada do IML. Mas não conseguia me mover.
Pra quem tem um pé na hipocondria é fácil nessas horas até ler o obituário do dia seguinte com seu nome em destaque.
Pensei em ligar para alguém. Mas pra quem? Se chamasse a recém-ex-mulher seria um vexame, caso eu não morresse. Ligar pro filho? A ex ficaria sabendo do mesmo modo. Que situação...
Esse inferno durou uns quarenta minutos até que a tormenta chegou violenta e levou embora todo meu sofrimento, instantaneamente.
Feliz da vida, saí para o jardim e me encharquei de chuva numa alegria de ressuscitado. Que bom que era só a tal síndrome barométrica. Que bom que eu não liguei pra ninguém.
Mesmo molhado, voltei pra frente do computador e, meditando sobre todos os maus pensamentos que tive, escrevi com rimas mancas um romântico (rsrsrs) adeus.
Na prosa já tropeço em cada vírgula, escrever em versos então, para quem nunca estudou métrica, só é permitido para quem acabou de “escapar da morte”.
Peço perdão pela pobreza de estilo e prometo não tentar mais coisas assim.

Testamento:

Amigo, chore.
Mas só por hoje. Chore.
Vá lá em casa e explore
Ache umas cartas de amor,
E um pouco de humor
Gravados no computador

Tem ainda guardados
Uns poucos trocados
Embrulhados num cobertor

Gaste tudo hoje
Chame os amigos
E também os inimigos
A cada um, em meu nome
Da-lhes uma flor.

Faça hoje uma festa
Até pra quem não presta
Pois não tenho mais rancor
Vive o que te resta
Põe um sinal na testa
Fala do meu Amor

Descansei, adormeci, serenei
As canelas, estiquei
O paletó, abotoei
Já não sei mais quem sou
Foi-se o ego
No último prego
Que o papa-defunto pregou

Vasculhe minha carcaça
Veja o que sobrou
Pra quem precisa dê de graça
Os pedaços sem cachaça
Mas não diga quem doou

Menos o coração
Que agora arrebentou
Peço especial atenção
Pois foi ele que me matou
Não pela vida desregrada
Mas pela falta da amada
Que você me apresentou

Entrega a ela o meu algoz
Fala com minha voz:

Eis aqui o que sobrou
Do amigo que tanto te amou
Discreto defunto
O que mais queria
Era de ti ficar junto

Permito que ria
Já que não tinha outro assunto
Que não fosse tua alegria

Seu último desejo
Antes que a vida lhe desse despejo
É que tu, em oração
Procure um jazigo
Que sirva de abrigo
Pro seu coração

E mais um pedido:
Que escreva na pedra
Sobre o teu apelido
Me espera, querido

terça-feira, 13 de março de 2007

DIÁRIO DO DELIVERY Nº 06 - O ESPECIALISTA


Eu: -República, Boa Noite.
Cliente: -Quanto fica pra mandar uma Pepperoni aqui no Jardim Botânico?
Eu: -R$ 34,95
Cliente: -Mas eu estou aqui com o site de vocês na minha frente e o preço está R$ 31,50!
Eu: -Seus “poup-ups” estão bloqueados?
Cliente: -É, estão.
Eu: -Desbloqueie, por favor...
Cliente: -Comissão dos entregadores? Vocês cobram para entregar?
Eu: -Não. Conforme está escrito aí, é Comissão dos Entregadores. Eles são autônomos, vivem disso. Nosso negócio aqui é vender pizzas. Prestar o serviço de entrega é lá com eles...
Cliente: -Você não acha que R$ 3,45 é muito para vir daí até o Botânico?
Eu: -Os entregadores não acham. Eles são responsáveis pela integridade da pizza até que chegue às suas mãos. Se eles estragarem alguma pizza, o que não é raro, pagam. Além disso, a moto, a mochila e a gasolina são deles.
Cliente: -Vocês mandam um refrigerante “free”?
Eu: -Como é mesmo o seu telefone?
Cliente: -3258-XYZX
Eu: -Tadeu?
Cliente: Isso, do Jardim Botânico.
Eu: -Ô Tadeu... Você é cliente desde 2000, não lembro de você, nem mais ninguém ter questionado tanto assim. Nosso sistema é o mesmo desde a inauguração, há dez anos.
Cliente: -É que eu sou especialista em gestão de varejo e fico inquieto com negócios que tem um potencial enorme e se perdem nas velhas regras...
Eu: -Como você acha que deveria ser feito? Se a pizzaria fosse sua, quais as modificações que você faria?
Cliente: -Esse negócio de cobrar a entrega, por exemplo... Eu faria a entrega de graça.
Eu: -E de onde sairia o dinheiro para pagar os entregadores?
Cliente: -Tem que fazer como os grandes... Embutir tudo. O consumidor gosta de levar vantagem. Ele não se importa de pagar R$ 50,00 numa pizza de mussarela, desde que não pague a entrega, ganhe o refrigerante ou uma sobremesa.
Eu: -Acho que não saberia trabalhar assim...
Cliente: -Veja aquelas ofertas da Polloshopp na TV... Eles dizem que te dão mais isso, mais aquilo e, se você for um dos primeiros a ligar ainda ganha mais uma bugiganga...
Eu: -Só o fato de nós pagarmos os entregadores em lugar dos clientes, que são os que realmente usam o serviço, o custo de entrega já iria dobrar. Caracterizaria uma relação de trabalho estável com todos os encargos sociais.
Cliente: -Bobagem... Faça as contas e embuta tudo... Seus clientes são diferenciados, dinheiro não é o problema, não vão nem perceber. E você ainda vai gerar fidelidade.
Eu: -Tadeu, considerando que meu cliente está situado principalmente nas classes A e B, entre eles há até gestores de varejo, que é o seu caso, como é que eu explico para os que vem buscar suas pizzas aqui que o preço é o mesmo de quando ele recebe em casa?
Cliente: -O consumidor não pensa nisso. Ele quer benefícios agregados. O resto é balela.
Eu: -Acho que será muito difícil mudar a cultura da empresa depois de 10 anos...Mesmo internamente, nós temos uma política de transparência diante dos nossos funcionários que ficaria comprometida.
Cliente: -Como assim?
Eu: -Sabe aquela máxima que diz que “quem fala a verdade não precisa se lembrar de nada”?
Cliente: -Não conhecia. Também acho que não entendi.
Eu: -Aqui é muito claro que nós não damos nada porque não ganhamos nada, temos que comprar tudo. Isso é um negócio e para sobreviver precisamos trabalhar buscando o lucro. Meus funcionários sabem que atum e calabresa não dão em árvores, nós pagamos quando compramos e temos que lucrar quando vendemos. Se implantarmos aqui essa política do tudo “free” vai parecer que isso aqui é a casa da mãe Joana, pode comer tudo, beber tudo. É de graça mesmo... Mas de qualquer forma vou pensar sobre sua proposta.
Cliente: -Minha mãe chama-se Joana.
Eu: -Perdão, não tive a intenção.
Cliente: -Tudo bem. Manda a pizza então. Quanto era mesmo? Vê se dá um desconto pela consultoria, hehehehe!
Eu: -Só um minutinho... De R$ 61, 80 por R$ 59,99.
Cliente: -Ô louco! Não era trinta e pouco?
Eu: São os “benefícios agregados”. Comprando essa pizza você ganha também uma borda recheada, três sobremesas e um refrigerante de dois litros a escolher. Além disso, você não pagará nada mais para receber aí na sua casa.
Cliente: -Háháháhá! Muito boa! Mas não precisava exagerar! Háháhá!
Eu: -É que eu sou novo nesse negócio. Mas vou aprender.
Cliente: -Acho que vou buscar a pizza aí, assim a gente toma um chope e eu te explico melhor como funciona essa história toda.
Eu: -Ok, Tadeu, dentro de uns 15 minutos a pizza vai estar pronta, você pode retirar. Mas infelizmente eu não vou estar aqui quando você chegar, tenho uma emergência comercial para resolver.
Cliente: -Emergência comercial? Às 11:00 da noite?
Eu: -É! Cancelar um pedido que eu fiz na Polloshop hoje à tarde.
Cliente: -Você ta brincando!?
Eu: -Claro que estou. Vem pra cá que eu pago o chope.
Cliente: -Háháháhá! Até já!
Eu: -Até já, Tadeu.

domingo, 11 de março de 2007

CHATOS CONTEMPORÂNEOS


Caro leitor,
Ando matutando se o passar dos anos vem me deixando menos tolerante ou se a população de chatos vem aumentando de uma maneira alarmante. Similar ao aquecimento global
Esse texto não trata do parasita, que é facilmente eliminado e até evitado se adotamos a postura higiênica correta. Falo do mala-sem-alça, do purgante, do gangorra, do inconveniente, do esperto, do folgado, do espalha-roda. Falo de uma legião de homens, mulheres que acordam todos os dias com o único propósito de enervar a espécie humana.
Semana passada tive um dia especialmente aborrecido. Parecia um complô, cheguei a procurar por câmeras escondidas espreitando meu chilique iminente e a conseqüente revelação da “pegadinha”. Resolvi então anotar todos os ataques que sofri e criei uma espécie de teste, que sem falsa modéstia (que é coisa de chato), considero de utilidade pública.
O teste é muito prático, se as respostas forem sim, você é um chato. Não tem aquela chatice de ficar anotando pontos e depois verificar qual seu perfil de chato. Isso seria perda de tempo, pois um chato é um chato, o que muda é o grau de tolerância da vítima. Vamos ao teste:
1. Se você é comerciante e utiliza como meio de comunicação aqueles carros de som berrando o dia inteiro as imperdíveis ofertas do seu estabelecimento, meu amigo, você é chato. Um anúncio impresso permite o leitor escolher se quer ler ou não. O mesmo ocorre com TV ou rádio, que possibilitam a mudança de canal. Mas o som do tal carro invade nossas casas, nosso sono, nossa privacidade, enfim: enche o saco. Considero até uma anti-propaganda e estou boicotando quem pratica.
2. Se você preza tanto o seu automóvel que não pode guardar latinhas, pacotes de bolacha, maços de cigarro, panfletos e outros lixos até chegar à sua casa e os atira pela janela emporcalhando o espaço público, sinto informar, você é chato.
3. Se esse seu prezado automóvel também costuma ficar parado atrás de outros carros devidamente estacionados em padarias, bancos, farmácias, etc., com a desculpa de que é só um minutinho, além de chato você é burro ou mentiroso. Como é que chegando depois, você pretende sair primeiro? Claro que há a possibilidade de você ser um chato profissional, do tipo que pára o carro assim e fura fila, “pra chatear por menos tempo”.
4. Já que falamos em filas... Você é aquele que no self-service vem encostando, empurrando e apressando quem está a sua frente? Ou estende o braço para capturar o último bolinho de arroz que por direito seria do seu antecessor? Ou pior. Anda em sentido contrário ao fluxo de todo mundo? Se a resposta for sim, você é muito chato!
5. Se no restaurante, você sendo não fumante, senta-se na área reservada aos tabagistas e fica o tempo todo reclamando com os garçons e fazendo cara feia, você é chato. Pode ser até de uma espécie mutante, aquela que deixa de fumar para só chatear quem fuma.
6. Do mesmo modo, se você é adepto da fumaça e insiste em acender seu cigarro na área de não fumantes, você é um chato daquele tipo invasor, como o do carro de som.
7. Ainda no restaurante, se você gosta de fechar negócios, contar piadas, gargalhar ou bater boca com alguém pelo celular, você é chato. Há graus de chatice nesse caso que variam de acordo com o estilo do restaurante, e o volume e duração da conversa. Conheço uns poucos exemplares da sua espécie que são tão discretos nem deveriam ser catalogados nessa categoria.
8. Mas se você além de praticar essa inconveniência em restaurantes, também atende seu celular em cinemas, teatros, missas e velórios... Meu caro, se chatice fosse contra a lei, você seria julgado por crime hediondo.
9. Se você se considera um esportista porque comprou uma moto “off-road” e aos finais de semana, fantasiado de jóquei, sai pelas trilhas e estradas públicas de terra, em alta velocidade, levantando poeira, fedendo óleo dois tempos e fazendo uma barulheira infernal, você é muito, mas muito chato mesmo e pior, costuma andar em bandos e coloca em risco, além da própria vida, também a de pacatos caminhantes e pedalantes, cavalgantes e cavalgados.
10. Mesmo que caminhos de terra não sejam a sua praia, mas você se aventura no asfalto sobre uma moto não menos barulhenta e/ou fedida, pilota inconsequentemente e costuma cumprimentar outros da sua espécie com estouros do motor, você é do tipo chato-varejeira: Mais hora, menos hora, isso vai acabar em merda.
11. Se por excesso de rodas e pneus você não se enquadra nos dois tipos anteriores, mas dirige seu carro como se fosse um kart, colando nos veículos da frente, acelerando ruidosamente, cantando pneus e ouvindo aquela “música” bate-estaca a todo volume, você é um chato previsível: Do tipo que nunca chega de surpresa.
Espero que o dileto leitor tenha dito não a todas as questões, porém, no caso de ter se identificado com uma ou mais das espécies aqui listadas, não deve se desesperar, existe cura: Cidadania.

quarta-feira, 7 de março de 2007

DIÁRIO DO DELIVERY Nº. 5 - O CARTÃO




Eu: -República, Boa Noite
Cliente: -Oi!
Eu: -Oi! No que posso ajudar?
Cliente: -É que eu recebi aqui um cardapinho de vocês, e aqui ta que eu posso pagar com Cartão de Crédito... Como funciona? O motoboy traz a maquininha?
Eu: -Não é preciso levar a maquininha. Você me fornece o número do seu cartão, a validade e o código de segurança e nós fazemos a venda como se o cartão estivesse aqui... O motoboy leva apenas o comprovante para você assinar. Como nas compras pela internet.
Cliente: -Nossa, acho isso meio inseguro. Nunca comprei pela internet. Já ouvi cada história...
Eu: -Qual é mesmo o seu telefone?
Cliente: -3258-XXYY
Eu: -Eugênia?
Cliente: -Isso.
Eu: -Olha, Eugênia, o procedimento é completamente seguro... As empresas de cartões não liberam essa facilidade para qualquer estabelecimento... Pode ficar tranqüila.
Cliente: -E o valor? Você pode colocar qualquer um?
Eu: -Teoricamente, sim. Mas você vai assinar o comprovante da operação e ficar com uma via do cupom.
Cliente: -Mas se você fizer uma venda no valor correto e me mandar o comprovante... aí você já tem os meus dados pode fazer outra venda muuuuito maior.
Eu: -Teoricamente poderia. Mas, Eugênia, você já é nossa cliente desde 1999. Estou estranhando essa sua desconfiança...
Cliente: -Estranhando por que? Hoje em dia... sabe como é...
Eu: -É que eu acho meio paranóico ficar insegura de pagar com o cartão na pizzaria que te fornece há seis anos... Você confia na qualidade dos ingredientes que usamos aqui, na nossa higiene, mas não confia em pagar com cartão? Você nunca desconfiou que a gente pudesse te envenenar?
Cliente: -Não é que eu não confie... É que eu sou meio caipira pra essas coisas mesmo...
Eu: -Eugênia, tenho uma boa notícia pra você: Pagar com cartão não é obrigatório, é apenas mais uma opção. Você ainda pode pagar com dinheiro, cheque, tickets...
Cliente: -Acho que eu vou arriscar...
Eu: -Vamos fazer assim: Depois que você fizer o pedido a gente escolhe o meio de pagamento, ok?
Cliente: -Ta. É uma de Mussarela.
Eu: -Certo. Refrigerantes, sobremesas?
Cliente: -Não. Só a Pizza. Quanto fica?
Eu: -R$ 19,60.
Cliente: -Vou pagar no cartão.
Eu: -Qual é a bandeira?
Cliente: -Visa.
Eu: -Me passe agora os 16 números do cartão, mês e ano de validade e o código de segurança impresso no verso, composto de 3 dígitos.
Cliente: 3693.0100.XXXX. 4225 – Validade... 06/08... e os dígitos: 552
Eu: -Ótimo. Daqui há pouco a pizza e o comprovante chegarão à sua casa.
Cliente: -Obrigada.
Eu: -Sou eu quem agradece, boa noite.
Cliente: -Boa noite.

Minutos depois...

Cliente: -Alô.
Eu: -Eugênia?
Cliente: -Sim?
Eu: -Aqui é o César, da pizzaria... Seu cartão não passou!
Cliente: -Ué? Por que?
Eu: -Isso eu não sei informar. Na telinha só aparece Transação Não Autorizada. Não dá pra saber o motivo.
Cliente: -Tenta de novo.
Eu: -Já tentei. Três vezes.
Cliente: -Posso te dar um cheque?
Eu: -Claro.
Cliente: -Só que tem que ser pro quinto dia útil... dia 7. Tudo bem?
Eu: -Sem problemas...
Cliente: -Moço! Não tem perigo do cheque cair antes?
Eu: -NÃO! BOA NOITE!
Cliente: -Olha lá, hein...
Eu: ...
Cliente: -Moço!
Eu: -FALA!
Cliente: -Nada não. Boa noite.

DIÁRIO DO DELIVERY Nº. 4 - AMÉLIA


Eu: -República, boa noite!
Cliente:-O senhor pode mandar uma pizza?
Eu: -Claro, qual o seu telefone?
Cliente: -3258-YYXX.
Eu:- Na casa do Saraiva e da Amélia?
Cliente: -Isso.
Eu: -É a Amélia quem fala?
Cliente: -Sim.
Eu: -Pois não, Amélia. Qual será a pizza de hoje?
Cliente: -Um minuto... (se dirigindo à outra pessoa) –Saraiva, que pizza você quer? (ao fundo) –Rosna-rosna-rosna...
Cliente: -Ele quer meia Aliche, meia Alho... Quanto custa a brotinho de Rúcula com Tomate-Seco e Mussarela de Búfala?
Eu: -Fica em R$17,45
Cliente: -Saraiva, vou pedir uma pequena de Rúcula pra mim... (ao fundo) -Rosna-rosna ... -R$ 17,45... (ao fundo) -Rosna-rosna-rosna-rosna-rosna!
Cliente:-Deixa, moço... Só a pizza grande mesmo...
Eu: -Amélia, eu posso fazer um terço de Rúcula, um terço de Alho e o outro terço de Aliche...
Cliente: -Peraí... (tampa o fone).
Cliente: -Não, moço. Só Alho e Aliche mesmo.
Eu: -Ta certo. Vai precisar de refrigerantes e cervejas?
Cliente: (gritando) –Saraiva! Vai querer cerveja?
Cliente:-Seis cervejas.
Eu: -Certo! E refrigerante?
Cliente: -Manda uma Coca...(ao fundo) –Rosna-rosna-rosna-rosna-rosna... –Mas ta choca! (ao fundo) –Rosna-rosna-rosna-rosna-rosna-rosna-rosna-rosna!
Cliente: -Só as cervejas, mesmo...
Eu: -Sobremesas, nem pensar, né Amélia?
Cliente: -É, deixa quieto.
Eu: -Ficou em R$ 40,25. – Quarenta reais redondos... Devo mandar troco?
Cliente: -Deixa eu ver aqui... –Saraiva, você tem R$ 5,00? (ao fundo) -Rosna-rosna-rosna-rosna! –Mas como eu almoço amanhã? (ao fundo) -Rosna-rosna-rosna!
Cliente: -Não moço, não precisa. Vou dar R$ 35,00 em dinheiro e R$ 5,00 em Ticket.
Eu: -Ta certo, Amélia. Muito grato...
Cliente: -Moço, ele mandou colocar bastante Aliche...
Eu: -Pode deixar... Boa noite.
Cliente: -Boa noite.

terça-feira, 6 de março de 2007

A ARTE DO PIROPO


Uma amiga que passou por aqui me perguntou o que é um piropo.
Confesso que só fiquei sabendo da existência dessa simpática palavra recentemente pelo Chico Buarque no excelente DVD ROMANCE.
Busquei na Wikipedia e não achei nada relacionado ao significado que o Chico colocou no documentário. Nem mesmo o Word, onde digitei esse texto reconhece o termo. Aparentemente, piropo só é usado do outro lado do Atlântico, em Portugal de onde se origina inclusive um blog especializado: http://o-piropo.blogspot.com/ - Vale a pena conferir.
Um piropo é um galanteio, uma cantada sutil e poética, focada em tocar o coração de forma elegante e fugaz. Um piropeiro de verdade não busca reciprocidade, ele se realiza quando faz a pessoa, objeto da piropada, feliz por uns instantes ou por uns dias, mesmo que em em segredo. Muitas vezes o piropo se reveste de ensinamentos quase filosóficos para atingir homens e mulheres indistintamente, e faze-los sonhar com a possibilidade do amor perfeito. Exemplo maior disso é o texto de Vinícius de Moraes (Rei dos Piropeiros, segundo o Chico) que reproduzo abaixo.

Para Viver Um Grande Amor
Vinícius de Moraes

Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso — para viver um grande amor.
Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! é de colher... — não tem nenhum valor.
Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.
Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.
Para viver um amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fidelidade — para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.
Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô — para viver um grande amor.
Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?
Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia — para viver um grande amor.É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que — que não quer nada com o amor.
Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva oscura e desvairada não se souber achar a bem-amada — para viver um grande amor.

KOMBINA KOMIGO




Quem chama a Kombi de carro está enganado.
Ela até pode ter sido concebida como tal, mas assim como o filho de um militar se rebela e vira hippie, a Kombi abandonou o mundo efêmero dos carros do ano para se tornar um ícone, um estilo de vida.
Sua ligação com o universo alternativo vem desde a década de 1960. Esteve sempre estreitamente ligada ao sonho de liberdade, de paz e amor. Faz pouco de valores como potência, design, exclusividade ou ostentação.
A Kombi é naturalmente generosa, familiar, maternal. Transporta alegremente nove pessoas, até doze nos modelos mais modernos. Quando preciso, fornece abrigo e colo para viajantes sem pouso. Para isso, as modelo Luxo, como a minha Hebe, possuem cortininhas que preservam a privacidade do hóspede. Como tão bem escreveu um poeta que eu não me recordo o nome, Kombi, até quando morre é útil, vira quiosque.
A perua, como se dizia nos meus tempos de menino, não tem compromisso com a aerodinâmica, com a estética, com a velocidade, e infelizmente, nem com a economia.
Um motorista de Kombi tem que ter sensibilidade para entender que ela é uma companheira prestativa e temperamental, não uma máquina obediente. Uma Kombi de caráter se recusa ser pilotada ou dirigida. Ela quer ser conduzida. Como uma dama numa dança de salão. Sua direção com folga crônica obriga o condutor a delicadamente sugerir para onde pretende ir. Ela tem ritmo próprio. Não se constrange nas subidas, pede uma terceira lenta e barulhenta, ou ainda, uma segunda, e mata de vergonha o motorista que não assimilou seu espírito “ to nem aí”.
Mas ela não para, não desiste, vai sempre em frente, persistentemente... Até que a bomba de gasolina esquente e emperre. Mas isso faz parte de seu jeitinho de viajar, como uma vovó, que pára a cada 30 km para fazer xixi e se refrescar. Basta fazer uma pausa, apreciar a paisagem e colocar um paninho úmido sobre a bombinha enfartada, logo ela volta a funcionar. Falando em paninho, que é um dos itens indispensáveis para viajar com a Kombi, deve-se levar sempre uma correia do alternador, canivete suíço, alicate, chave inglesa, fita isolante, água-potável e um rolo de arame. Quase tudo que costuma quebrar nela se conserta com esse kit-sobrevivência. Para ficar emocionante mesmo, o ideal é levar apenas isso e esquecer o celular em casa.
Essas “rebordosas de velha hipponga” são perfeitamente aceitáveis se levarmos em consideração tudo que ela nos oferece. Além do que já contei lá em cima, tem o banco dianteiro inteiriço que é um verdadeiro sofá para se namorar enquanto dirige. Qual outro veículo tem isso hoje em dia?
Qualquer viagem de 100 km leva mais de uma hora e meia pra ser concluída, tempo suficiente até para se arrumar uma namorada, ela se aconchegar no seu ombro e mesmo cochilar com a cabeça no seu colo (leia o post A PRIMEIRA VIAGEM).
Quando amigos se reúnem nela, sempre aparece alguém com um violão. A Kombi permite que o artista viajante toque como se estivesse na sala de sua casa, há espaço de sobra e até acústica adequada, enquanto parada.
Por essas e por outras que reafirmo: Kombi não é carro. É um conceito, uma maneira mais humana, romântica e lenta de se deslocar de um lugar para outro. Só os poetas e os loucos podem ver isso.
Com a Hebe chego depois, mas me divirto muito mais!

CAMELÔ FILOSÓFICO Nº. 1 -AMOR E REPULSA


É quase uma verdade, aceita por todas as vertentes de pensamento, que as características alheias que nos causam repulsa, são elementos negativos nossos que se revelam na pessoa de nossa observação.
Há uma parábola popular que fala sobre isso: Diz que quando apontamos um dedo para acusar ou criticar, voltamos outros três dedos para nós mesmos.
Fiquei matutando sobre isso e imaginei que o contrário também “pode ser” verdadeiro. Ou seja: Se temos atração por uma pessoa sincera, compassiva, ponderada, justa, educada, respeitosa, fiel, amorosa, etc., é porque, ao longo de nossas encarnações cultivamos esses valores. Queremos estar próximos dessa pessoa porque ela é um reflexo de tudo de positivo que conseguimos aprender e aplicar em sucessivas existências.
Já, se nos consideramos espiritualmente evoluídos, se praticamos (ou achamos que) todos esses valores, mas temos uma atração meio que viciosa com alguém que carrega maneiras, hábitos e modos que não se encaixam aos nossos, temos um problema.
Das três, uma: Ou estamos usando uma máscara tão bem elaborada que engana a nós mesmos, ou estamos atraídos pelo potencial com o qual essa pessoa encarnou e não desenvolveu por questões familiares, de meio ou até de escolha, ou, a menos ruim delas: Não somos capazes de nos identificar totalmente com ela e ver os seus defeitos.
Independente da atração física que é ótima, mas costuma ser efêmera, mantemos ligações sutis de caráter com a pessoa que supomos amar.
Quando se trata da máscara bem elaborada que me referi acima, acredito que não tenha muita solução. Há de se conformar e trabalhar firmemente para trazer para o coração o que se pratica apenas socialmente, ou assumir intimamente a representação sair cantando aqueles versos breganejos: “Somos dois sem-vergonhas...” Não há evolução, porém o confronto e aceitação dos próprios defeitos farão dessa existência um período mais confortável.
Se descobrirmos que estamos atraídos pelo potencial não desenvolvido de alguém, temos a tendência de dar chances e empurrões para que os bons valores se manifestem. Isso quase sempre se revela frustrante para os dois, pois nas relações desse tipo, sempre “rola” uma competição. O lado mais desenvolvido tem a tendência de forçar o casulo para tirar a borboleta e, essa resistirá até a morte dizendo que já tem asas, quando ainda é apenas uma lagarta que vai precisar de tempo e solidão para evoluir.
Na terceira possibilidade, a de não enxergarmos os defeitos do(a) outro(a), isso é um bom indicativo espiritual, significa que não carregamos mais essas imperfeições em nossa alma, mas classificaria esse(a) apaixonado(a) de babaca, do tipo “o(a) último(a) a saber”. Lá em cima comentei que essa era o tipo atração menos ruim, digo isso porque é a mais fácil de se livrar. Basta fazer um resumo mental de todas as incompatibilidades espirituais que a atração vai se dissolvendo e percebemos que insistir em nossa cegueira é um tremendo desperdício de vida.
Agora, para ser santo(a), a fórmula é simples: Identificar todas as virtudes de cada alma, de todas as almas, e estar tão evoluído a ponto de não sentir repulsa por nenhum ser, pois os defeitos nem sequer são vistos, não há identificação.



Mas, como não temos a pretensão de nos tornarmos avatares tão cedo, penso que devíamos sempre buscar como companheiro(a) um espírito mais evoluído que o nosso, ou no mínimo, que tenha o mesmo grau evolutivo. Ao contrário de desenvolver uma relação competitiva e possessiva, temos que nos colocar como um discípulo(a) aos pés do(a) mestre(a). Temos que ter o desprendimento suficiente para servir a essa alma mais evoluída e absorver dela todo o Bem, o Bom e o Belo que ela pode nos oferecer.
Como identificar essa alma? Onde ela anda? Não sei. Mas recorro esperançosamente à Lei da Atração dos Semelhantes: Temos que praticar “de forma verdadeira e vigorosa” os valores que desejamos no(a) companheiro(a) que está vindo ao nosso encontro, porque: “Quando o(a) discípulo(a) está pronto(a), o(a) mestre(a) aparece”.

Em Tempo: Que venha com um corpinho sarado! Amém!

domingo, 4 de março de 2007

A COBRANÇA


O celular vibra em minha cintura e me tira das divagações sobre como manter minha casa em ordem.
-Alô.
-Eu gostaria de falar com o senhor César Cury...
-É ele. Quem fala?
-Boa tarde Seu César, meu nome é Cristine. Eu trabalho na Empresa Finantudo e estou ligando para conversar com o senhor a respeito de seu Cartão do Posto Petrolula...
-Boa tarde Cristiana, pode falar...
-É Cristine, Seu César...
-Perdão, eu não ouvi direito...
-Tudo bem... O senhor pode me confirmar alguns dados?
-Claro. Quais são?
-Qual a sua data de nascimento?
- 2 de Novembro de 1961, finados...
-Desculpe, Seu César. O que o senhor disse?
-Bobagem, Cristina. Só comentei que na data do meu aniversário, dia 2 de novembro, comemora-se o Dia de Finados...
-É Cristine, Seu César...
-Desculpe, acho que é a idade. Pode falar Cristine.
-Seu César, para sua segurança essa conversa pode ser gravada...
-Sem problemas...
-Seu César, eu estou aqui com seu histórico, o senhor é cliente desde 2001 e sempre foi pontual, mas de uns meses pra cá os pagamentos de suas faturas vem atrasando e nos últimos 90 dias não recebemos nem mesmo os pagamentos mínimos...
-Seu César, antes que seu caso seja enviado para o Departamento Jurídico, nós gostaríamos de saber se o senhor estaria disposto a fazer um acordo?
-Claro, Cristine. Qual é a proposta?
-Seu César, para efeito de pesquisa, o senhor poderia me dizer o que motivou esse atraso? Foi problema de saúde, desemprego, ou algo assim?
-Separação. Eu me separei de minha mulher. A coisa toda anda meio enrolada por aqui.
-Ah, eu sei o que é isso. Me separei ano passado também. É difícil, né?
-Muito, mas a gente sobrevive.
-É verdade. A gente tem que tocar o barco. Foram muitos anos de casamento?
-27.
-Nossa! O meu durou só 12 anos. Mas pela sua data de nascimento... O senhor casou com... 18 anos?
-Não, com 17...
-Meu Deus! Mais cedo do que eu! Eu me casei com 18... Hoje estou com 30... Mas me sinto mais feliz hoje do que quando era mais jovem.
-O que é isso Cristiane, você ainda é praticamente uma menina... Essa fase dos 30 aos 40 é ótima.
-É Cristine, Seu César.
-Meu Deus! Juro que não troco mais seu nome! Perdão!
-Eu não aparento ter 30 anos... Todo mundo me dá 22, 23... 24, no máximo.
-A idade está na cabeça... Estou tentando me convencer disso.
-E verdade. O meu ex era só 10 anos mais velho que eu... Está com 41 agora, mas tem a cabeça de um velho...
-Seu César. Posso chamar o senhor de você?
-Claro, Cris...
-Tine, Cristine!
-Cristine... Você já devia ter começado assim...
-Então César... O seu saldo hoje está em R$ 1.128,40... Eu posso conceder um desconto de 30% para pagamento à vista, o que ficaria em R$ 790,00, Fica bom pra você assim?
-Acho que a vista não vai dar, Cristine.
-E se eu parcelar em três vezes? Uma parcela de R$ 270,00 e duas de R$ 260,00?
-Melhora, Cristine, mas assim mesmo vai ficar apertado pra mim... Sabe como é separação recente, né?
-Só eu sei o que eu passei... Vamos fazer assim, eu divido em seis parcelas... Seis de R$ 130,00...
-Assim melhorou... Por mim ta fechado.
- Que bom César, quando a quarta parcela estiver paga, você já pode utilizar seu cartão novamente.
-Não pretendo fazer isso tão cedo...
-Eu estou vendo aqui que você tem um cartão adicional em nome de Thiago...
-É meu filho...
-Você deve ser um pai muito bacana pra dar um cartão de combustível para um rapaz...
-Ele não é tão menino assim, está com 27 anos... É um filho fantástico, um grande cara, super-amigo. E tem mais juízo que eu.
-Nossa nunca vi alguém falar do filho assim... Ele mora com você?
-Não. Eu moro sozinho em Joaquim Egídio. Ele mora com amigos numa república em Campinas...
-Joaquim Egídio? É no Estado de São Paulo?
-É um pequeno distrito de Campinas... Fica há uns 11 km do centro.
-Deve ser legal morar numa cidade pequenininha...
-É muito bom.
-Um dia quero conhecer...
-Então Cris... Posso te chamar de Cris? Assim não erro mais.
-Claro!
-Então Cris, quando vence a primeira parcela?
-Só um minuto que eu estou mudando umas coisas aqui pra ficar melhor pra você...
-Ta ok!
-César?
-Oi, to aqui.
-Eu fiz o seguinte: Dei 50% de desconto e parcelei em seis vezes... Isso é o máximo que eu posso fazer... Perdi uns trocados da minha comissão, mas valeu muito mais ter te conhecido...
-Muito grato, Cris. Você tem uma alma muito boa! Grato mesmo. Como ficou agora?
-Seis parcelas de R$ 95,00. A primeira vence dia seis, as demais todo dia 10 de cada mês. Não posso fazer mais do que isso, juro!
-Ta ótimo, Cris. Você me ajudou muito.
-Se eu pudesse, zerava o seu débito aqui. Mas não posso.
-Não esquenta, menina! Você foi muito bacana. Assim eu posso pagar.
-Gostaria de fazer mais...
-Acredito! Mas você já fez o suficiente.
-César?
-Oi?
-Estou vendo que o telefone da sua casa é NET-FONE. Da minha também. Interurbano paga o preço de ligação local. Qualquer noite dessas, eu te ligo.
-Só que tem que ser durante o dia... Eu trabalho a noite. Não fico em casa, só depois das 2 da manhã.
-Não tem folga?
-São raras, nunca tem dia certo.
-Que pena. Você me parece ser um cara muuuuuuito legal.
-Não seja por isso, me ligue entre as 10h00min e as 16h00minh quando normalmente estou em casa.
-Aí quem trabalha sou eu. Só posso te ligar se você estiver devendo...
-Deus me livre!
-Não quer mais falar comigo, né?
-Não é isso... Não quero que você me cobre.
-Você não quer ficar com o meu telefone? O dia que estiver de folga você me liga... fica baratinho.
-Claro. Diga aí...
-Zero Onze, 2103-XYXY.
-Anotado.
-Que nome você escreveu?
-Cris. Finantudo!
-Esqueceu meu nome de novo?
-Cristine!
-Ah bom. Eu já ia mandar você pro Jurídico.
-Para com isso menina.
-To brincando. Agora eu tenho que desligar. Infelizmente. Preciso correr pra cumprir a minha meta. Com o acordo que eu fiz com você ela aumentou.
-Sinto muito.
-Não faz mal... Eu vou ferrar com o próximo da lista. O nome dele é igual ao do meu ex: Roberto Oliveira. Tiro a diferença nesse aqui.
-Cris, não sei como te agradecer... A você e ao meu pai que me batizou de César.
-Háháháhá. Vê se me liga, heim? Tchau, César.
-Tchau, Cris. Cuide-se.

ONZE DE AGOSTO E A "PINDURA".


Onze de Agosto é uma data que não pode ser esquecida pelos donos de restaurantes. Muitas coisas são comemoradas nesse dia, entre elas destaco: Data da fundação da Morfética (Ponte Preta), dia do garçom, dia do advogado e por conseqüência, o dia da pindura. (Quis dizer pindura mesmo, não pendura!).
Para quem não sabe, num onze de agosto do passado, os alunos de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo, resolveram, para comemorar o aniversário da faculdade, dar calote nos bares, restaurantes e cafés da cidade. Essa sacanagem, por mais que fosse denunciada pelos proprietários dos estabelecimentos não resultou em nenhuma punição aos caloteiros, pois delegados são, antes de tudo, advogados.
Esse primeiro calote, já no ano seguinte, tornou-se tradição e espalhou-se pelo Brasil. Não há cidade nesse país que abrigue uma faculdade de Direito em que os donos de restaurantes não fiquem histéricos nessa data, ano após ano.
Como advogados adoram rituais, eles criaram uma “Carta de Pindura”, que depois de um discurso carregado com os mais incompreensíveis termos do vernáculo e é entregue ao infeliz comerciante. Em lugar do dinheiro.
Depois de anos, tomando calotes, descobri que a melhor política é me antecipar às escusas intenções dos estudantes e propor um acordo que onere menos meu caixa e ainda assim não frustre a farra dos meus potenciais clientes do futuro.
Nas noites de Onze de Agosto, fico atento como um perdigueiro, farejando cada gesto, cada olhar de meus clientes, qualquer coisa que denuncie os aprendizes de trapaceiros, para que possa me antecipar e tentar minimizar o prejuízo. Ao longo dos anos, me tornei quase um especialista em detectar esses pré-cidadãos-respeitáveis, vou dar dois exemplos de como reconhece-los e mante-los sob controle:
A)- Rapazes:
Grupo com no mínimo três, com idades entre 20 e 28 anos. O que tem aparência de mais velho e experiente usa bermudas, tênis sem meia e camiseta mal passada, comporta-se de modo muito natural e incorpora o Don Juan das garçonetes O coitadinho do mais jovem, possivelmente calouro, está com calças de barra italiana, sapatos ultra-bem-engraxados, camisa social, normalmente azul clara e, com um par de olhos maiores que pizzas que arregalam ainda mais, cada vez que me aproximo. Se um ou mais deles estiverem usando gel nos cabelos, nem me dou ao trabalho de observar mais, tomo a iniciativa, fazendo cara de mau e parto pra cima: - Vamos negociar essa "pindura" - Vocês têm direito a tantas pizzas e dois chopes para cada um, ok? - Mas no final terão que pagar aquele mico de subir nas cadeiras e ler a carta de "pindura" como manda a tradição; Nada de uísque, nada de vinho e nem sobremesas, certo? - Nunca discordaram, mas o tal "calouro" normalmente foge para o banheiro na hora do discurso. No ano seguinte ele voltará com um estilo mais informal.
B)- Moças:
Com idades ligeiramente inferiores às dos rapazes acima, aparecem sempre em grupos maiores. Mais de um terço delas usa saia ou vestido pouco acima ou pouco abaixo do joelho (algumas parecem que já nasceram formais). Normalmente já "dão bandeira" quando chegam. Ficam todas aglomeradas na porta do restaurante, claramente tentando traçar uma estratégia e juntar coragem, ninguém toma a iniciativa de entrar. Quando encaro o grupo e vou andando em direção a elas, me sinto repugnante. A cada passo que dou, elas dão outro, em direção contrária, se espalhando pela calçada. Mantendo posição e me encarando ficam apenas duas ou três líderes. Uma dessas, inevitavelmente, vai estar cheia de piercings e de calças ou vestido indiano até os pés, a briga vai ser boa, todo ano é. Quando me apresento, dou as boas vindas e pergunto se posso ajudá-las. Aquela dos piercings responde sem muita convicção: -Não cara. A gente ta esperando mais uma galera, aí. Nesse ponto a metade das que fugiram se afasta ainda mais, segurando o riso, a outra metade avança em minha direção, muito cuidadosamente, movida pela curiosidade. Parto para a negociação: -É "pindura"? A metaleira e/ou metalizada, balançando a cabeça e olhando para os próprios pés e começa um discurso prevendo uma desistência honrosa: -Qualé, meu? A gente só ta esperando uma galera. Num pode fica aqui não? Olha, a rua é pública... E assim vai... Até que uma outra futura-advogada intervém e começa a contar, com voz de criancinha, que ela freqüenta a pizzaria desde pequena, que a nossa pizza baiana é inesquecível, etc, etc, etc...
Deixo a eloqüência dela ir às alturas e finalmente "sou convencido" por seus argumentos. Mas ainda me resta uma pequena vingança: Desmascara-la. Conto pra moça que em nossa pizzaria não existe a versão "baiana". Elas sempre insistem:
-Mas tinha, vocês tiraram? Que pena... Então foi no tempo dos outros donos, quando eu vinha aqui com meus pais... Explico que eu sou o fundador e que jamais a pizza baiana freqüentou nosso cardápio e aproveito o constrangimento dela para fazer um pequeno discurso sobre que fundamentar a argumentação com a verdade sempre é melhor política que improvisar a mentira, etc, etc, etc...
Proponho o mesmo esquema de "pindura" que dos rapazes. Elas aceitam com gritinhos.
Acomodam-se à mesa. Riem e falam todas ao mesmo tempo. Vão-se as pizzas, vão-se os chopes, imploram por outra rodada. Eu dou. São tão bonitinhas...
No final sou agraciado com intermináveis: -Obrigada tio. -Tio, você é um amor. -Tio, que pizza, hein? -Nossa, tio, foi "dimais"...
Quando penso que acabou, vejo aquela dos piercings, ainda à mesa, "enxugando" os copos de suas colegas que não foram devidamente esgotados. Passa por mim, abre um sorriso sincero e dispara: -Valeu, cara!
Fico olhando ela ir embora, naquele gingado hippie e imaginando que talvez um dia torne-se uma grande advogada, pelo menos, foi a única que teve a sensibilidade de captar o que diziam os meus olhos de meritíssimo: Tio é a PQP!

sábado, 3 de março de 2007

DIÁRIO DO DELIVERY Nº. 03 - O CORNO


Eu: -República, boa noite.
Cliente: -Eu queria pedir uma pizza.
Eu: -Pois não, qual é o telefone?
Cliente: -9172-36...
Eu (Interrompendo) – O senhor não teria um número de telefone fixo?
Cliente: -Mas eu estou falando do celular...
Eu: -Não faz mal. O fixo é melhor...
Cliente: -3258-YXXY
Eu: -É da casa da Inês?
Cliente: -Como é que você sabe? De onde você conhece a Inês?
Eu: -É que pelo número que o senhor me passou...
Cliente: -PORRA! COM O CARA DA PIZZARIA TAMBÉM! MAS QUE MERDA!
Eu: -Senhor! Senhor!
Cliente: -QUE QUE FOI? COMO É O SEU NOME?
Eu: -É César. O senhor quer se acalmar pra eu explicar que...
Cliente: -ACALMAR PORRA NENHUMA, SEU BOSTA!
Cliente (Gritando pra alguém): -“MARINEIS”, ONDE CÊ CONHECEU ESSE MERDA?

Silêncio – Fone tampado!

Cliente: -OLHA AQUI, SEU FILHO DA PUTA. NÃO SE META COM A MINHA MULHER. SE LIGAR AQUI DE NOVO EU TE ARREBENTO NA PORRADA!

Desliga o proprio celular.

DIARIO DO DELIVERY Nº. 02 - O BESOURO


Eu: -República Boa Noite.
Cliente: -É da pizzaria?
Eu: -Sim, do República Pizza Bar.
Cliente: -Eu quero falar com o gerente!
Eu: -Pode ser comigo, senhora.
Cliente: -Você é o gerente? Eu só falo com o gerente ou vou direto no PROCOM!
Eu: -Eu sou o dono, senhora. O que foi que aconteceu?
Cliente: -TEM UM BESOURO NA MINHA PIZZA! O QUE O SENHOR VAI FAZER A RESPEITO?
Eu: -Um besouro? A senhora tem certeza? Não é uma azeitona mal formada ou alguma coisa assim?
Cliente: (Gritando para alguém) -JORRRRGE, O PILANTRA DISSE QUE É AZEITONA PERNETA!
Cliente: -OLHA AQUI SEU CANALHA, VOCÊ ME MANDA UMA PIZZA COM UM BICHO NOGENTO E AINDA FICA TIRANDO SARRO DA MINHA CARA? OU O SENHOR ME TRATA COM RESPEITO OU EU VOU NO PROCOM, VOU NA DEFESA CIVIL (sic), VOU ATÉ NO JORNAL NACIONAL...NO FANTÁSTICO!
Eu: -Perdão, senhora. Não tive a intenção de tripudiar sobre a situação. Isso é muito mais grave pra mim do que pra senhora. É que é muito improvável isso ter acontecido. Peço que se acalme e me diga como é a aparência do bicho.
Cliente: -AS AZEITONAS DO SENHOR TEM CHIFRES? FICAM PASSEANDO NA PIZZA PRA DIVERTIR AS CRIANÇAS? HEIM? HEIM?
Eu: -O besouro está vivo?
Cliente: -Vivinho da Silva. Passeando pelo meu jantar. Eu até fechei a caixa da pizza pra ele não voar!
Eu: -Eu vou pedir que a senhora me ouça com atenção e acompanhe o meu raciocínio. Ok?
Cliente: -Ok!
Eu: -Vamos considerar que pelo fato desse besouro estar vivo ele chegou à pizza bem depois dela ter saído do forno, caso contrário ele seria incinerado nos 400 graus que é mais ou menos a temperatura de um forno à lenha. Ok?
Cliente: -Ok!
Eu: -A senhora também me disse que ele está passeando sobre a pizza. Qual o sabor de sua pizza?
Cliente: -Metade Marguerita, metade Cinco Queijos.
Eu: -Ele não está grudado no queijo?
Cliente: -Não.
Eu: -É que assim que a pizza sai do forno aqui, ela é imediatamente colocada na caixa e tampada. Se o besouro fosse nosso ele estaria grudado no queijo derretido e, provavelmente morto.
Cliente: -O senhor está dizendo que o besouro não é seu?
Eu: -Isso! A senhora pode me dizer tudo que aconteceu depois que o entregador foi embora?
Cliente: -Eu paguei ele, coloquei a pizza na mesa e fui pra sala ver o finalzinho da novela. Só quando eu voltei é que vi o bicho.
Eu: -Sobre a sua mesa deve haver um lustre, uma lâmpada ou coisa assim, né?
Cliente: -Um lustre.
Eu: -Ficou aceso enquanto a senhora assistia à novela?
Cliente: -Ficou.
Eu: -Com o calor que está fazendo hoje eu suponho que as janelas de sua casa estejam abertas.
Cliente: -Estão.
Eu: -Então minha senhora, o besouro é seu!
Cliente: -Ai, me desculpe... Acho que o senhor tem razão! E o que que eu faço?
Eu: -Com um guardanapo ou papel higiênico pegue o bichinho pelo chifre e ponha no jardim.
Cliente: -NÃO COM O BICHO! COM A PIZZA?
Eu: -Boa pergunta! A senhora sabe como esse besouro chifrudo é conhecido popularmente?
Cliente: -Não.
Eu: -Rola-Bosta, hahahahahahaha! Desculpe. Não pude evitar a risada!
Cliente: -O senhor tinha que me lembrar disso? Manda outra pizza?
Eu: -Claro.
Cliente: -Bem rapidinho? Dá um desconto?
Eu: -Vou dar 50% pela história. Essa vai pro livro de ouro da pizzaria.
Cliente: -Mas não vai dizer o meu nome, né?
Eu: -Fique tranqüila. Sua identidade será um segredo meu e do besouro!
Cliente: -Boa noite. Me desculpe.
Eu: -Boa noite. Me diverti muito. Bom apetite!

DIÁRIO DO DELIVERY Nº. 01 - A HIPOCONDRÍACA


Eu: -República, boa noite!
Cliente: -Boa noite. Mooooço...
Eu: -Sim?
Cliente: -Manda uma pizza pra mim?
Eu: -Claro, qual o seu telefone?
Cliente -3258-XYYX.
Eu: -É da casa do Carlos e da Suely?
Cliente: -Agora só da Suely. Eu e Deus!
Eu: -Ah, ok. Já alterei aqui. Que pizza você gostaria?
Cliente: -Num seeei... Sabe o que que é? Eu tenho intolerância à lactose, não posso comer queijo.
Eu: -Então nós temos a Calabresa do Dedé que não leva mussarela e a calabresa...
Cliente: -Deus me livre! Calabresa tem pimenta do reino. Ataca minha gastrite.
Eu: -Bom, então vamos pensar em alguma coisa mais leve, que tal frango?
Cliente: -Nem pensar... Você sabe que a carne de frango é a que contém mais hormônios?
Eu: -Sim, já ouvi falar nisso. Então que tal uma de abobrinha?
Cliente: -Acho abobrinha tão sem graça...
Eu: - Mas a nossa é gratinada no forno, e depois curtida no azeite e no alho, fica uma delícia.
Cliente: -Não vai dar... Alho não me faz bem... Eu até gosto, mas depois me dá uma azia...
Eu: -Que tal a de atum?
Cliente: -É. Podia ser... Mas sem queijo, ta?
Eu: -Ok. Só a massa, molho, o atum, cebolas, azeitonas e orégano, certo?
Cliente: -Tira o molho de tomates! Molho enlatado também ataca minha gastrite.
Eu: -Mas nosso molho não é enlatado. É feito aqui, batido na hora, praticamente um suco de tomates frescos com sal e manjericão.
Cliente: -Jura? Então pode deixar... Mas tira as cebolas. Eu fico cheia de gases...
Eu: -Ta certo. Massa, molho de tomates, atum, azeitonas pretas e orégano.
Cliente: -Moço, tira o orégano. Às vezes eu tenho uma alergia, fico toda coçando... Acho que pode ser orégano.
Eu: -É, existem pessoas que são alérgicas mesmo. Então vai sem orégano. Massa, molho, atum e azeitonas.
Cliente: -Você não acha que vai ficar meio sem graça?
Eu: -CLARO QUE NÃO! VAI FICAR ÓTIMA!
Cliente: -Vocês fazem massa com farinha integral?
Eu: -Não. Só com farinha comum mesmo.
Cliente: -Então vai assim mesmo. Quanto fica?
Eu: -Não vai precisar de refrigerantes, cerveja ou sobremesas?
Cliente: -Cerveja!
Eu: -Pode ser Itaipava em lata?
Cliente: -Pode. Mande umas dez.
Eu: -Três?
Cliente: -Não, dez! Manda doze então. Quanto fica?
Eu: -A pizza e as doze cervejas... Sem sobremesas?
Cliente: -Sem! Estou tentando perder uns quilinhos.
Eu: -Ok. Então fica tudo em R$ 49,70.
Cliente: -Carinha a sua pizza hein?
Eu: -São as doze cervejas...
Cliente: -Ah é, tinha me esquecido.
Eu: -Devo mandar troco?
Cliente: -Não precisa.
Eu: -Ta certo então. Dentro de uns trinta minutos seu pedido vai chegar aí.
Cliente: -Vê se manda mais rápido! Estou com uma fome!
Eu: -Vou fazer o possível... Mas me responda uma coisa...
Cliente: -Diga...
Eu: -Cerveja não te faz mal?
Cliente: -Faz sim. Me solta o intestino... Mas a minha vida é tão complicada, tenho tantos problemas de saúde que a gente tem que tomar umazinha pra relaxar, né?
Eu: -É verdade. Boa noite Suely.
Cliente: -Boa noite.

sexta-feira, 2 de março de 2007

A PRIMEIRA "VIAGEM".


A PRIMEIRA VIAGEM.

Nota explicativa: Essa viagem ainda não aconteceu, mesmo porque a Hebe encontra-se no SPA. Esse texto nada mais é do que uma “viagem” no sentido “bicho-grilo” sobre retomar meu projeto “quase hippie” que engavetei ainda na adolescência e pretendo retomar agora, aos 45 anos.
A aquisição da Kombi, que deu o “start” nessa maluquice não foi premeditada. Eu simplesmente não tinha dinheiro para comprar nada mais moderno. Foi acontecendo e as memórias surgindo, devaneios juvenis ressuscitados que hoje fazem feliz meu coração de uma forma que há muitos anos não experimentava.
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O horizonte avança lentamente pelo pára-brisa bi-partido, à esquerda zunem suaves veículos modernos e apressados. Entre minhas mãos que domam o enorme volante, vejo o ponteiro do velocímetro se esforçando para chegar aos 90 Km/H. O painel é básico: Além do velocímetro há apenas o marcador de combustível e mais três botões. Demos um toque romântico com algumas flores roubadas numa praça que enfiamos num vasinho improvisado numa embalagem de tempero semelhante a um tubo de ensaio. Sobre meu colo, os cabelos da mulher amada, adormecida confortavelmente no banco inteiriço de couro sintético branco.
Pelo retrovisor interno posso conferir toda a tralha que estamos carregando espalhada pelos bancos traseiros: Duas bicicletas, mochilas, barraca, sacos de dormir e a Rita, minha boxer com o olhar perdido em alguma lembrança canina.
Lá em cima, amarrada ao bagageiro, uma prancha de surf que estamos levando para um amigo “new-caiçara”. Mais um doce bárbaro que desistiu de ser consumido pelo sistema, juntou suas coisas e foi morar na praia “até que a grana acabe”. Vamos nos hospedar na casa dele, os equipamentos de camping só estão lá atrás porque o espaço da Kombi comporta até uma mudança de planos de última hora.
Com o sol à direita, observo a sombra da perua e a prancha no asfalto ao meu lado. Imagino que, para quem vê de fora, a imagem da perua azul e branco com uma nadadeira nas costas, deva lembrar uma orca patinadora. Rio sozinho da bobagem surrealista.
O ronco alto e monótono do motor 1.500 me obriga a colocar o volume do CD no máximo. Na seleção de antigas está tocando uma de minhas preferidas na voz de Nara:
“Vou voltar, sei que ainda vou voltar, para o meu lugar...”.
Uma emoção súbita e agradável me invade, enche meus olhos d’água quando associo a música e a viagem ao meu retorno aos sonhos e valores da juventude. Ideais utópicos de fraternidade, igualdade, de paz e amor que foram atropelados por anos de serviço à normalidade. Naquele tempo era preciso ser normal. Andar de forma normal, se vestir de maneira normal, de falar sobre coisas normais com gente normal.
O sonho hippie foi sufocado pelos governos e nós, entregues ao mercado que impôs essa “antiestética” da normalidade.
Ajusto o quebra-vento para que a brisa limpe meus olhos marejados.
Agora é Belchior quem solta sua voz de besouro dizendo que é “apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior. Mas trago de cabeça uma canção do rádio em que um antigo compositor, baiano me dizia: Tudo é divino. Tudo é maravilhoso...”.
Sou induzido a ver tudo dessa forma. O momento é mágico. A vida está perfeita. Meu peito parece que vai explodir de felicidade.
Respiro fundo e me encho de uma alegria que não lembrava existir.
A brisa que enxugou meus olhos faz bailar os cabelos de minha namorada revelando seu rosto sereno e doce. Não faz muito tempo eu achava que nunca mais amaria tão intensamente. Que bom saber que a vida é mais sábia e generosa do que eu supus.
Uma lágrima que rolou silenciosamente até meu queixo resolve cair sobre o rosto dela que abre os olhos, intui o meu extase e, sem dizer palavra, dá um lindo sorriso e volta a cochilar.