Foi assim:
Eu precisava de um boné e de uma camiseta de um patrocinador para posar com eles numas fotos que vão ilustrar uma entrevista que dei para a revista da Confederação Nacional do Transporte, a CNT. Trata-se de uma edição focada no cinqüentenário da Kombi no Brasil, comemorados esse ano. Como às vezes acontece, especialmente quando temos prazos a cumprir, as coisas começaram a dar errado. A camiseta e o boné não chegaram a tempo, o fotógrafo ficou ilhado na chuva de sábado e eu tive que me virar com o que não tinha na madrugada de domingo.
Cheguei em casa por volta da uma da manhã, depois de ralar o dia todo nas compras e mais de seis horas de movimento intenso na pizzaria, mas estava determinado a mandar as tais fotos para a revista.
A proposta original era de eu aparecer com os logotipos do patrocinador dentro ou ao lado da Kombi, mas nessas alturas do campeonato, qualquer coisa era melhor do que nada. Comecei a pensar num lugar para as fotos, fiquei apavorado. Acontece que moro numa casa mínima, costumo dizer que minha vida é três por quatro, afinal o quarto é 3 X 4, a cozinha é 3 X 4 e a sala não é diferente. Pra complicar um pouco mais, tenho 1,80m, o que torna tudo aqui meio desproporcional.
Fiquei imaginando como ligar o assunto da entrevista à minha imagem, já que a perua estava internada na funilaria e impossibilitada e comparecer ao “set” numa madrugada de domingo. Ocorreu-me então posar com as minhas miniaturas de Kombi, mas ainda assim faltava um lugar, e mais faltante do que isso, o tempo.
Numa casa tão pequena, em noite de chuva, só vi duas possibilidades: O quarto ou a sala. O primeiro foi logo descartado, pois no seu centro há uma super-big-cama-king-size, herança dos tempos de casado. Evidentemente que sobre ela não poderia ser, afinal não estava posando para a G-Magazine. Na sala, abarrotada de coisas, seria menos inconveniente. Mas onde me colocar? Que elemento usaria de fundo? A estante, o computador, uma máscara de Buda? Pensei em pendurar um lençol na parede para fazer um fundo-infinito, mas descobri que não tenho nenhum lençol sem estampas, além do fato de não ter visto na revista nenhuma foto assim, com cara de estúdio. Trata-se de jornalismo, não uma publicação de estilo. Cogitei posicionar a máquina sobre a cristaleira e ficar no chão com as Kombinhas, feito um menino. Logo desisti, primeiro porque teria que colocar a mesa-de-centro na chuva, mas principalmente porque, visto de cima, numa sala minúscula com brinquedos na mão, eu ficaria parecendo um coroa esquizofrênico numa solitária de manicômio.
Finalmente optei por um close, com as miniaturas próximas ao rosto, imaginei que assim o fundo não teria importância. Coloquei as Kombis sobre o pequeno sofá branco, uma almofada no lugar onde ficaria a minha cara e fui enquadrar a cena na telinha da máquina amadora. Pareceu bom e bati uma foto de teste. O branco do sofá explodiu com o flash e praticamente velou todos os outros elementos. Precisava cobri-lo com alguma cor escura e não refletiva. Depois de testar com toalhas de banho, saco de dormir e tudo que tinha mais de um metro quadrado, achei uma folha de papel de embrulho tipo kraft. Foi o que ficou melhor.
Recortei um pedaço de sacolinha de supermercado e colei sobre a lâmpada do flash para amenizar a luz intensa e seus efeitos indesejáveis como brilhos na pele e olhos vermelhos. Ajustei o mini-tripé, acionei o automático e corri para a frente da máquina, sentando no chão e tentando fazer uma cara inteligente. Flash! Saco, esqueci de tirar os óculos! Outra: Flash! Que cara de imbecil! Flash! A expressão ficou razoável, mas essa careca brilhante não está legal. Na falta do boné do patrocinador coloquei o da Volkswagem mesmo. Resolvo ligar a máquina no drive e, diante da lente, ficar me movendo e fazendo caras e bocas entre um flash e outro, achei que assim poderia captar-me “mais natural”. Flash! Flash! Flash! Flash! Flash! Cinco fotos, não é possível que não tenha saído umazinha razoável! -Nenhuma ficou boa. Quando acionei o drive, mudei acidentalmente o enquadramento, todas ficaram péssimas e com a testa cortada.
Entrei em desespero quando a luzinha da bateria começou a piscar. Desliguei a máquina, na esperança de pensar em alguma coisa genial para as últimas fotos antes de ficar sem pilhas. Coloquei na boca um pedacinho de Toblerone, acendi outro cigarro e decidi que tentaria só mais uma vez, que essa sairia perfeita. Incorporei o Sean Connery, ensaiei um sorriso meio de lado e fui à luta. Flash! Sem os óculos pude ver na telinha da máquina que essa tinha ficado bacana, Retirei a memória da câmera e transferi as imagens para o computador. Antes de chegar à última me diverti muito com as horrorosas anteriores. Abri o editor de imagens e ampliei a foto do galã... BANGUELA! Credo, o que foi isso? Apliquei zoom e não pude acreditar no que via: Meu canino direito completamente coberto de chocolate.
Já eram três da madrugada e eu ali, passando foto por foto e já não achando mais graça em nada, pensando em escrever um e-mail para a revista pedindo desculpas, falando da chuva, do fotografo ilhado, da falta do boné do patrocinador e que eu fico péssimo em closes.
Respirei fundo, me lembrei que sou brasileiro e que não desisto diante das caras feias, patéticas ou banguelas que desfilam no monitor. Vamos então até o derradeiro suspiro dessas baterias, pensei, me inspirando naquela cena de Rock I, quando no último segundo o Stallone ganha a luta mesmo estando morto.
Faço a checagem de todos os itens: Dentes escovados, óculos afastados, boné na cabeça, enquadramento com a almofada no lugar de meu rosto, flash com a cobertura de saco de supermercado, automático piscando e a luz de pilhas fracas também. Flash! Acho que ainda dá pra mais uma. Flash! A máquina se desliga sozinha e recolhe a objetiva. Transfiro as fotos para o computador e constato que finalmente uma delas ficou razoável, aquela que estou com um quase sorriso resignado, a que mais expressa o meu estado de espírito naquele momento. O leitor desavisado, pode achar que estou olhando para a Kombi com um ar sonhador, antevendo viagens maravilhosas, praias paradisíacas e milhares de quilômetros de estradas planas, sem buracos, pedágios ou congestionamentos.
Ainda tive que dar uns retoques no retrato, apaguei um interruptor, uma tomada e um pernilongo esmagado na parede à minha esquerda, também tirei a fechadura cromada da porta e as chaves que pendiam sobre a minha cabeça, eliminei um brilho vermelho no olho esquerdo e deletei da bochecha uma espinha causada pelo mesmo vício que me deixou banguela minutos antes.
Sei que a foto ficou muito aquém do nível da revista, espero de coração receber um e-mail ou telefonema me dando outra chance de apresentar um material mais profissional, mas diante do ocorrido, achei por bem mandar essa mesma, para não passar por negligente e, caso ela seja publicada, sairá estampado mais de mim em seus pixels do que em qualquer uma outra.
Eu precisava de um boné e de uma camiseta de um patrocinador para posar com eles numas fotos que vão ilustrar uma entrevista que dei para a revista da Confederação Nacional do Transporte, a CNT. Trata-se de uma edição focada no cinqüentenário da Kombi no Brasil, comemorados esse ano. Como às vezes acontece, especialmente quando temos prazos a cumprir, as coisas começaram a dar errado. A camiseta e o boné não chegaram a tempo, o fotógrafo ficou ilhado na chuva de sábado e eu tive que me virar com o que não tinha na madrugada de domingo.
Cheguei em casa por volta da uma da manhã, depois de ralar o dia todo nas compras e mais de seis horas de movimento intenso na pizzaria, mas estava determinado a mandar as tais fotos para a revista.
A proposta original era de eu aparecer com os logotipos do patrocinador dentro ou ao lado da Kombi, mas nessas alturas do campeonato, qualquer coisa era melhor do que nada. Comecei a pensar num lugar para as fotos, fiquei apavorado. Acontece que moro numa casa mínima, costumo dizer que minha vida é três por quatro, afinal o quarto é 3 X 4, a cozinha é 3 X 4 e a sala não é diferente. Pra complicar um pouco mais, tenho 1,80m, o que torna tudo aqui meio desproporcional.
Fiquei imaginando como ligar o assunto da entrevista à minha imagem, já que a perua estava internada na funilaria e impossibilitada e comparecer ao “set” numa madrugada de domingo. Ocorreu-me então posar com as minhas miniaturas de Kombi, mas ainda assim faltava um lugar, e mais faltante do que isso, o tempo.
Numa casa tão pequena, em noite de chuva, só vi duas possibilidades: O quarto ou a sala. O primeiro foi logo descartado, pois no seu centro há uma super-big-cama-king-size, herança dos tempos de casado. Evidentemente que sobre ela não poderia ser, afinal não estava posando para a G-Magazine. Na sala, abarrotada de coisas, seria menos inconveniente. Mas onde me colocar? Que elemento usaria de fundo? A estante, o computador, uma máscara de Buda? Pensei em pendurar um lençol na parede para fazer um fundo-infinito, mas descobri que não tenho nenhum lençol sem estampas, além do fato de não ter visto na revista nenhuma foto assim, com cara de estúdio. Trata-se de jornalismo, não uma publicação de estilo. Cogitei posicionar a máquina sobre a cristaleira e ficar no chão com as Kombinhas, feito um menino. Logo desisti, primeiro porque teria que colocar a mesa-de-centro na chuva, mas principalmente porque, visto de cima, numa sala minúscula com brinquedos na mão, eu ficaria parecendo um coroa esquizofrênico numa solitária de manicômio.
Finalmente optei por um close, com as miniaturas próximas ao rosto, imaginei que assim o fundo não teria importância. Coloquei as Kombis sobre o pequeno sofá branco, uma almofada no lugar onde ficaria a minha cara e fui enquadrar a cena na telinha da máquina amadora. Pareceu bom e bati uma foto de teste. O branco do sofá explodiu com o flash e praticamente velou todos os outros elementos. Precisava cobri-lo com alguma cor escura e não refletiva. Depois de testar com toalhas de banho, saco de dormir e tudo que tinha mais de um metro quadrado, achei uma folha de papel de embrulho tipo kraft. Foi o que ficou melhor.
Recortei um pedaço de sacolinha de supermercado e colei sobre a lâmpada do flash para amenizar a luz intensa e seus efeitos indesejáveis como brilhos na pele e olhos vermelhos. Ajustei o mini-tripé, acionei o automático e corri para a frente da máquina, sentando no chão e tentando fazer uma cara inteligente. Flash! Saco, esqueci de tirar os óculos! Outra: Flash! Que cara de imbecil! Flash! A expressão ficou razoável, mas essa careca brilhante não está legal. Na falta do boné do patrocinador coloquei o da Volkswagem mesmo. Resolvo ligar a máquina no drive e, diante da lente, ficar me movendo e fazendo caras e bocas entre um flash e outro, achei que assim poderia captar-me “mais natural”. Flash! Flash! Flash! Flash! Flash! Cinco fotos, não é possível que não tenha saído umazinha razoável! -Nenhuma ficou boa. Quando acionei o drive, mudei acidentalmente o enquadramento, todas ficaram péssimas e com a testa cortada.
Entrei em desespero quando a luzinha da bateria começou a piscar. Desliguei a máquina, na esperança de pensar em alguma coisa genial para as últimas fotos antes de ficar sem pilhas. Coloquei na boca um pedacinho de Toblerone, acendi outro cigarro e decidi que tentaria só mais uma vez, que essa sairia perfeita. Incorporei o Sean Connery, ensaiei um sorriso meio de lado e fui à luta. Flash! Sem os óculos pude ver na telinha da máquina que essa tinha ficado bacana, Retirei a memória da câmera e transferi as imagens para o computador. Antes de chegar à última me diverti muito com as horrorosas anteriores. Abri o editor de imagens e ampliei a foto do galã... BANGUELA! Credo, o que foi isso? Apliquei zoom e não pude acreditar no que via: Meu canino direito completamente coberto de chocolate.
Já eram três da madrugada e eu ali, passando foto por foto e já não achando mais graça em nada, pensando em escrever um e-mail para a revista pedindo desculpas, falando da chuva, do fotografo ilhado, da falta do boné do patrocinador e que eu fico péssimo em closes.
Respirei fundo, me lembrei que sou brasileiro e que não desisto diante das caras feias, patéticas ou banguelas que desfilam no monitor. Vamos então até o derradeiro suspiro dessas baterias, pensei, me inspirando naquela cena de Rock I, quando no último segundo o Stallone ganha a luta mesmo estando morto.
Faço a checagem de todos os itens: Dentes escovados, óculos afastados, boné na cabeça, enquadramento com a almofada no lugar de meu rosto, flash com a cobertura de saco de supermercado, automático piscando e a luz de pilhas fracas também. Flash! Acho que ainda dá pra mais uma. Flash! A máquina se desliga sozinha e recolhe a objetiva. Transfiro as fotos para o computador e constato que finalmente uma delas ficou razoável, aquela que estou com um quase sorriso resignado, a que mais expressa o meu estado de espírito naquele momento. O leitor desavisado, pode achar que estou olhando para a Kombi com um ar sonhador, antevendo viagens maravilhosas, praias paradisíacas e milhares de quilômetros de estradas planas, sem buracos, pedágios ou congestionamentos.
Ainda tive que dar uns retoques no retrato, apaguei um interruptor, uma tomada e um pernilongo esmagado na parede à minha esquerda, também tirei a fechadura cromada da porta e as chaves que pendiam sobre a minha cabeça, eliminei um brilho vermelho no olho esquerdo e deletei da bochecha uma espinha causada pelo mesmo vício que me deixou banguela minutos antes.
Sei que a foto ficou muito aquém do nível da revista, espero de coração receber um e-mail ou telefonema me dando outra chance de apresentar um material mais profissional, mas diante do ocorrido, achei por bem mandar essa mesma, para não passar por negligente e, caso ela seja publicada, sairá estampado mais de mim em seus pixels do que em qualquer uma outra.
3 comentários:
Ave Cesar !! ótima história !! Dei umas belas gargalhadas aqui !! Posso fazer uma recomendação do blog pra turma, via MSN ??
Abrax !!!
Marcos
Olá Marcos,
Grato pela visita e comentário.
É claro que "deve" recomendar o blog para seus amigos, afinal a gente escreve pra isso mesmo: Se expor! Evidentemente que no caso de exposição de imagem eu aconselho recorrer a um bom um bom fotógrafo!
Abraços
Essa eu num tinha lido ainda...
Muito boa...
Bejo Curyó
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