domingo, 1 de abril de 2007

PRIMEIRO DE ABRIL




O primeiro de Abril amanheceu lindo. Um domingo de verdade!
As trilhas, habitualmente desertas durante a semana, hoje estavam apinhadas de caminhantes, corredores, ciclistas e cavaleiros de todas as idades, coloridos, equipados, em grupos ou sozinhos, várias famílias representadas em três gerações.


ºo0O0oº



Um pit-bull empaca no meio da ponte mais estreita da trilha e produz um enorme coco, para vergonha de seu musculoso dono que puxa inutilmente o bicho pela coleira, tentando arrasta-lo para um local mais discreto.

Mais adiante, dois casais se reconhecem, trocam beijinhos. O poodle do casal Nº.1 acha que beijinho é pouco e se atraca na perna da moça do casal Nº.2 para constrangimento dos quatro. A dona do peludo dá uma bronca sem muita convicção: -Pára Fô! Assim mamãe não gosta! Não pude disfarçar minha risada quando tentei adivinhar o nome completo do cachorro: Seria Fofo ou Fodão?

Contra o sol, vejo a silhueta magnífica de uma mulher que vem em sentido contrário, mais desfilando do que caminhando. Conforme se aproxima posso identificar os logotipos da Nike espalhados no tênis, na calça de lycra e finalmente na camiseta regata curtíssima que balança graciosamente sustentada pelos seios perfeitamente esféricos. Quando nos cruzamos, consigo enxergar seu rosto, semi-oculto por um par de óculos enorme. Os mais de cinqüenta verões denunciam: Quase nada nela é de verdade, são as maravilhas da cirurgia plástica: Botox, lipo e silicone. Mas tudo bem, afinal hoje é 1º. De Abril

Saio da trilha principal e começo a correr bem suavemente, mas logo tenho que me proteger no barranco para não ser atropelado por uma dúzia de motos off-road que passam rente a mim, levantando uma poeira infernal. Depois de resmungar uns palavrões contra os “forasteiros de finais de semana” decido que hoje, como qualquer domingo, não é um bom dia para correr, apenas para caminhar e observar o comportamento de toda essa gente que sai de seus apartamentos e bairros urbanos e vem pra Joaquim Egídio para “encontrar a paz junto à natureza”.

São predominantemente de classe média, podem se presentear com roupas de grifes, bicicletas caras e possuir cachorros com pedigrees de se pendurar na parede, ao lado do diploma de conclusão do curso superior. A grande maioria freqüenta as trilhas com um propósito que pode ser alcançado num corredor de shopping qualquer: Ver e ser visto. É incrível como gente gosta de gente, de usar máscaras e se aglomerar para comparar seu personagem às interpretações e “guarda-roupas” de seus semelhantes.

Mesmo eu, que subi nesse altar do cinismo investigativo do comportamento humano, estou representando algum papel nesse momento, mas alguém tinha que contar essa história e propor uma nova data revolucionária. Quero criar o dia da verdade, 24 horas sendo nós mesmos, escancaradamente.

A nova versão da historinha seria mais ou menos assim, se hoje fosse o dia da verdade:

Aquele rapaz fortão que tentava arrastar o pit-bull, estaria humildemente pedindo desculpas aos passantes pela inconveniência do local escolhido pelo cão para depositar seus dejetos, ainda se justificando sobre que aquela quantidade desmedida de músculos em seu corpo, bem como possuir um cachorro com fama de feroz eram apenas meios dele esconder uma insegurança incontrolável.

Os casais que se viram constrangidos com o comportamento do Poodle tarado da “mamãe”, certamente sairiam no tapa: -Credo! Que bicho nojento! Diria a moça do casal Nº. 2, ao que reagiria ofendida a “mãe” do canídeo: -Nojento nada, você é que deve estar cheirando como uma cadela. Já o maridão do casal Nº.1 que provavelmente não suporta o cachorrinho da “mamãe” emendaria: -Acho que o “Fô” não é tão estúpido assim, ele leu meus pensamentos... Tragédia na certa.

Aquela senhora “restaurada” estaria caminhando ainda só, porém nua, com uma placa na mão: “Nunca soube ser amada, quero ser admirada”.

Os motoqueiros, encouraçados em suas armaduras de plástico multicoloridas, montando seus veículos fedidos e barulhentos, admitiriam estarem vivendo uma fantasia onde se imaginam heróis guerreiros em busca de um sentido nobre para suas existências. Que foi essa maneira que encontraram de suportar a pequenez de suas vidinhas.

Finalmente eu, depois de esperar a poeira das motos baixar, amaldiçoar os forasteiros, desistir de correr, decidiria apenas caminhar e observar essa gente que vem aqui exibir suas verdades, tentaria, sem dúvida, especular sobre as estranhas mentiras que escondem essas almas.

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