segunda-feira, 9 de abril de 2007

MOISÉS


Foi semana passada, terça feira, eu acho. Já estava quase chegando no asfalto, finalizando minha habitual caminhada, quando um Fiat Palio emparelhou ao meu lado, dentro dele duas moças, visivelmente aflitas, gesticulavam para que eu parasse. Retirei dos ouvidos os fones do MP3 e me reclinei para ouvi-las.
-Moço! Você veio dessa estrada... Não viu nenhum cachorro perdido?
Passei mentalmente o filminho daquela manhã e me surpreendi por não lembrar de ter visto cachorro algum. Topei com vacas, cavalos, leitões desgarrados, seriema, sagüis, esquilos, um lagartão tomando sol, mas nenhum cachorro. Disse a elas que sentia muito, mas não podia ajuda-las.
Desconsolada, a que estava ao volante, me entregou um Post-It cor-de-rosa com os nomes de Tatiana, Yeda e Moisés e um número de celular. Informou que Moisés era o nome do cachorro, que ele era muito manso, que eu poderia me aproximar sem receio, caso o encontrasse. Pedi uma descrição do bicho e fiquei sabendo que se tratava de um “sem raça definida” (uma maneira caninamente correta de se referir aos vira-latas), que era de cor escura, parecia um pouco com pastor-alemão e tinha olhos de husky-siberiano, porém de tamanho médio. Prometi ficar atento e se visse um cachorro com essas características e que ligaria se o encontrasse.
Desejei boa-sorte às duas e continuei meu caminho pra casa. No centro do nosso vilarejo encontrei vários peludos das mais diferentes formas e tamanhos. Joaquim Egídio está se transformando numa espécie de “despejo” de cachorros cujos donos, oriundos de outros bairros, costumam “esquece-los” nos finais de semana. Não temos indigentes humanos, mas uma multidão de caninos abandonados que cresce sem parar. Nenhum deles se parecia com pastor ou tinha olhos de husky... Imaginei que Moisés tivesse sido atraído pelo cio de uma das inúmeras cadelas que vivem nas ruas pacatas de Joaquim e que terminada a farra ele voltaria para seu lar.
No dia seguinte, quando ia para a trilha, vi cartazes com fotos em quase todos os postes. A foto era de Moisés. O texto era clássico: Criança doente e gratificação, porém a descrição do fujão não correspondia ao animal da foto. De novo, elas citavam “pintura de pastor” e “olhos de husky”, mas a fotografia exibia um vira-latas puro, tão bem cuidado quanto feinho, não consegui enxergar nada nele que se encaixasse ao que estava escrito.
Imediatamente me lembrei de uma fábula que minha mãe adorava contar sobre uma coruja que teve suas crias supostamente raptadas e saiu desesperada pela floresta perguntando a todos que encontrava se não haviam visto as “crianças mais bonitas do mundo”. Essa “mãe-coruja” foi quem tipificou o comportamento humano de mães e pais que agem como adoradores de seus filhos, ignorando as imperfeições e supervalorizando suas qualidades.
Fiquei imaginando a angústia maternal de Tatiana e Yeda e voltei pra casa para apanhar o celular. Na eventualidade de encontrar o cão boêmio, eu estaria preparado. Naquele dia caminhei mais de 10 km e infelizmente não vi nem sinal do Moisés.
Estou na torcida para que esse adorado vira-latas seja encontrado e volte para suas donas-corujas que tão bem me lembraram que a beleza está nos olhos de quem ama.

Ah é: Para quem não sabe, a fábula não termina bem: As corujinhas foram papadas pela melhor amiga de dona Mãe-Coruja, a senhora Gavião, que não fazia a mínima idéia de que aquelas criaturinhas horrendas que lhe serviram de almoço eram, na verdade, as famosas “crianças mais bonitas do mundo”. Assim contava minha mãe que, por sinal, me achava lindo.

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