segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

FELIZES ESCOLHAS NOVAS

Adeus 2007. Viva 2008, o ano do Rato no Horóscopo Chinês, de Marte na Astrologia, de Ogum no Candomblé.
Por absoluta falta do que fazer, andei espiando as previsões e concluí que, como não há acordo entre os profetas de plantão, meu 2008 vai ser ótimo, mas só se eu der uma chance.
Desde o Natal que comecei o aquecimento de meus propósitos e desejos para o Ano Novo. Dei um trato na casa, raspei os cabelos (ou quase), coloquei a agenda em ordem, estou em abstinência de álcool e carne e, por conta dessa última escolha, vou pela primeira vez na vida, ficar só num Reveillon.
Recebi convites tentadores para festas em casas de amigos, baladas e viagens. Declinei. Seria muito difícil, estando abstinente, me relacionar de forma prazerosa com os convivas movidos a champagne, vinho, cerveja e outras delícias. Essa mistura costuma culminar em chateação recíproca. Ébrios provocam os sóbrios que abandonam a sobriedade ou a festa. Já visitei os dois lados de situações assim.
Ainda, de última hora, tentei achar algum tipo de retiro budista, ou um Satisanga (1), ou ainda uma turma de naturebas dispostos a me receber. Não encontrei nada, até os poucos naturebas que conheço estão em excursão na Índia. Foi então que me lembrei que tinha uma escolha, aliás, várias, sobre as quais falarei mais adiante.
Escolhi ficar em casa, preparar uma ceia especial para a Rita (minha cadela adoecida) que não concordou com minha opção vegetariana e vai degustar uma polenta com carne moída e legumes.
Para mim há uma lasanha de espinafre com molho branco, no copo chá verde gelado com menta, na alma, uma promessa de paz. No momento isso me basta e me inspira a anotar meus desejos e resoluções para 2008. São eles:

ALGUNS DESEJOS: (selecionados entre 114)

  • Que a Rita (a cadela) recupere a saúde.
  • Que minha vizinha se torne mais equilibrada e pare de torturar psicologicamente seu filhinho de 3 anos.
  • Que o cachorro dessa mesma vizinha se torne definitivamente afônico.
  • Que meu filho identifique mais e mais momentos felizes.
  • Que meus clientes sejam mais pacientes.
  • Que meus fornecedores sejam mais pacientes.
  • Que meus credores sejam mais pacientes.
  • Que meus devedores se tornem prósperos.
  • Que meus funcionários sintam que estão construindo alguma coisa, não apenas trabalhando pelo salário.
  • Que o sistema de impostos se torne mais leve, claro, simples e justo.
  • Que eu feche os contratos de patrocínio da viagem.
  • Que eu não decepcione aqueles que me amam.
  • Que eu surpreenda positivamente aqueles que me odeiam.
  • Que eu cative novos amigos.
  • Que eu não perca nenhum dos que já tenho.
  • Que eu consiga manter minhas resoluções de Ano Novo.

RESOLUÇÕES:

· Em 2008 eu “escolho escolher”. Só isso!

Escolho escolher meu humor, minhas reações diante das alegrias e atribulações. Escolher criteriosamente se me levanto ou continuo na cama, se como um bife ou uma salada, se tomo cerveja ou suco de amoras, se me estresso ou fico zen. Vou escolher assumir o controle sobre cada ato ou pensamento, não me deixar levar pelo automatismo de atitudes e avalanche de emoções. Quero escolher sempre o Bem o Bom e o Belo, em qualquer situação Por exemplo: Quando encontro ou penso em uma pessoa que me irrita (são várias, a vizinha é uma delas), não vou me entregar aos sentimentos "não adestrados" de desprezo, rancor ou impaciência que possam aflorar, quero escolher sentimentos mais nobres como a compaixão. Isso fará mais bem a mim do que aos irritantes em questão, se bem que eles também se beneficiarão e podem até querer passar mais tempo próximos a mim. Isso pode ser uma cilada, mas faz parte do jogo cujas regras eu posso simplesmente "escolher".
Parece simples, porém fazer todas as escolhas, grandes ou insignificantes, de forma consciente o tempo todo é o maior desafio que já me propus. Essa postura até poderia ser chamada de "Negligência Zero ou de Vigilância das Atitudes e Pensamentos" mas não quero dar esse peso de obrigação ou controle, pois dessa forma não seria escolha.
Ta achando que é mole? Experimente por um dia!

FELIZES ESCOLHAS NOVAS!


(1) SATSANGA. Festa ou festival da cultura indiana mais vistos no Brasil dentro das comunidades Yogue e Hare-Krishna. Os participantes levam flores, frutas e pratos vegetarianos, entoam mantras, acendem velas e queimam insensos. Trata-se, resumidamente de uma celebração pela vida. Parece meio careta para quem não conhece, mas é ótimo.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Não gosto muito de Natais.


Daqui há algumas horas, fogos vão espocar, cachorros ganir, crianças vão gritar ao receberem seus presentes, casais trocarão beijinhos, amigos se abraçarão. Brindes, comemorações, talvez algumas tímidas lágrimas pelas ausências que sempre se fazem presentes nessas datas. Poucas lágrimas pelos que não estão, pelos que jamais voltarão, pelos que perdemos, pelos que deixamos de conquistar.
Para mim, há muitos anos essa é uma noite especialmente triste e cansativa. Quando vivia numa estrutura familiar tradicional chegava aos 24 de Dezembro absolutamente exausto por conta dos presentes, dos preparativos, das expectativas. Sempre preocupado por ter esquecido de alguém, por ter detonado os cartões de crédito, de intimamente saber que de novo havia caído no “conto do Natal”. Depois das comemorações eu costumava ouvir uma voz metálica repetindo na minha cabeça: “Essa ilusão vai se auto-destruir em 48 horas”.
Acho lindo todo o ritual de preparar a casa, enfeitar a árvore, chamar os amigos e dividir mesa e copos fartos, mas o que sempre me deixou uma sensação de vazio é que depois disso não há transformação. Os brinquedos logo serão esquecidos, alguns dos presentes do tipo “nada a ver comigo” seremos obrigados a usar, as sobras da fartura vão habitar nossas geladeiras por mais alguns dias e inevitavelmente, quando os bancos abrirem, a folga terminar, retomaremos nossa rotina com o peso adicional dos exageros à mesa e no bolso.
Gosto muito mais da passagem de ano. Ela costuma me trazer sensações de “nova chance” e de dever cumprido (mesmo que isso signifique apenas sobreviver). As comemorações permitem um menor número de posturas sociais e uma oportunidade de compromisso íntimo, aquelas famosas intenções de ano novo.
A virada do ano ainda não carrega aquela culpa do bebê crucificado. Essa imagem me incomoda desde criança. Pensava: Como é que podemos comemorar o nascimento de alguém que matamos anos depois? –Culpa católica, evidentemente.
Esse ano estou só em minha casinha, acompanhado apenas de umas garrafas de espumante brut e umas bobagens para beliscar. Trata-se de um retiro voluntário que aproveito para postar alguma coisa no blog, colocar uns papéis em ordem e quem sabe, teclar com amigos que há muito não vejo.

Realmente não gosto muito de Natais, mas por via das dúvidas, vou deixar a porta aberta, as luzes acesas e o computador on-line, ainda existe a possibilidade que um milagre nessa noite me faça mudar de opinião.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

KOMBINAÇÕES NA TV

Queridos(as) torcedores(as)

Por absoluta falta de tempo, só tenho postado o que falam (bem) de mim.
Fui entrevistado ontem pelo Gerson de Souza para falar da viagem e o programa vai ao ar na data e horário aí acima.
Além da Hebe e eu o programa vai mostrar o restaurante Nakombi, uma divertida RadioKombi e ainda um cidadão que mora dentro de uma.
Vou tentar gravar para posteriormente colocar no Youtube com um link aqui.
Se algum dos meus fãs - (RÁRÁRÁRÁRÁ) - tiver uma placa de captura de vídeo e prática nisso, ficarei imensamente grato, a ponto de pagar uma pizza lá no República.
Abraços a todos!
César Cury & Hebe Wagen

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

JORNAL CORREIO POPULAR 23/09/2007

Para quem não é de Campinas, aí vai a entrevista que dei para o reporter João Nunes e foi publicada em página inteira exatamente um ano antes de minha partida. Não posso deixar de registrar aqui a fidelidade e sensibilidade desse profissional que deu um enorme impulso ao projeto.
Valeu João!

Um ano de Kombi pela América do Sul

Campineiro de 45 anos investe em antigo sonho e recupera veículo da década de 60 para uma viagem pelo continente

João Nunes
DA AGÊNCIA ANHANGÜERA
nunes@rac.com.br

Há mais de 20 anos, o campineiro César Cury imaginou viajar pelo mundo, num veleiro, ao lado da mulher e do filho. Chegou até a fazer cursos na área. O tempo passou, o veleiro ficou para trás e ele transferiu o projeto para um ônibus, mas esse tampouco saiu do papel. Em vez disso, viu o casamento terminar, e o sonho da viagem desmoronar. Aos 45 anos e separado, ele brinca dizendo que poderia ter comprado um carro esporte, mas inverteu a expectativa e, “por questão de estilo”, adquiriu uma Kombi. E como não teria mais a companhia da mulher e do filho, decidiu colocar o pé na estrada sozinho, numa viagem pela América do Sul. De Kombi.

Mas não é uma Kombi qualquer, mas fabricada em 1968, ou seja, que irá completar 40 anos no ano que vem, e adquirida num mercado livre na internet ao preço de R$ 2.999,00. Cury, sujeito aparentemente sério e tranqüilo, de gestos pausados e voz clara e firme, decidiu batizar o veículo de Hebe, por razões óbvias, “pois é perua, coroa e está enxuta”. E garante que tentará apresentar a “Hebe” para a Hebe. A Camargo. “Acho que ela vai gostar, porque é uma homenagem carinhosa e toda perua se orgulha de ser perua.”

O projeto fez Cury revisitar o sonho de mais de 20 anos, porque sempre acreditou que a aventura está no inconsciente coletivo. Mas sua aventura está só começando. Neste momento, o veículo passa por processo de restauração, de forma a torná-la o mais próximo possível do original. E, obedecendo questões meteorológicas, vai partir de Campinas daqui a um ano — 22 de setembro de 2008 —, saindo de Bertioga, Litoral paulista, em um trajeto que durará 365 dias.

Com o sugestivo nome de Kombinações — Kombi com nações —, o projeto prevê, inicialmente, como subproduto, um livro com as histórias da Hebe. Quando a conheceu, Cury, que hoje é empresário proprietário de uma pizzaria em Sousas, o veículo era azul escuro. Não gostou da cor, até porque a restauração exigia um azul claro, a cor da Kombi mexicana do ano de 1964. Ao iniciar o processo de limpeza, encontrou por baixo do azul escuro a cor preta com detalhes em dourado. Ocorre que Hebe tinha sido, por longo período, um carro funerário em Monte Alegre do Sul (a 65 quilômetros de Campinas).

Essa história estará no livro que ele pretende escrever enquanto viajar. “Vou conversar com ela para que me conte suas histórias”, afirma Cury, com visível humor. São histórias reais, mas haverá também episódios fictícios e baseados em comentários da viagem, filosofias e pensamentos. “Conheço várias histórias dela. Por exemplo, depois de carro funerário, ela serviu a um grupo de pagode. E, agora, passa por reforma em grande estilo, como se começasse a vida aos 40, e ela vai dizer como se sente na nova fase.”

Um segundo livro será a narração da viagem em si, mas isso ao término do projeto. Enquanto navega pelas estradas latino-americanas, Cury alimentará o blog criado especialmente para o projeto (http://kombinaestrada.blogspot.com) e até apostará numa veia jornalística, de narrativas dos acontecimentos que, certamente, o cercarão durante o trajeto. Os livros devem ser editados pela editora Arte Escrita.

Solidão

O empresário assume sua solidão no projeto, mas sabe que, também, está falando de mudança de vida. Há dez anos está colado à pizzaria, na qual trabalha diariamente. “Adiei o projeto por 20 anos, mas sempre senti a necessidade interna de sair pela estrada. É um sonho antigo e tenho consciência de que vou me afastar da vida atual e, quando regressar, estarei desempregado. Mas talvez encontre outra atividade ou outro lugar para morar, mas é possível que volte para o mesmo lugar, Joaquim Egídio, de onde sairei e que acho maravilhoso.”

Ao mesmo tempo em que fala em sonho e do lado poético do Kombinações, percebe que esse tomou outros rumos, digamos, mais comerciais, pois até patrocinador entrou na jogada. Um deles, claro, é a própria Volkswagen, e talvez a Petrobras e uma empresa de telefonia. O fato é que, em princípio, deverá receber US$ 1,5 mil por mês durante um ano. Mas, independentemente desse dinheiro, tem a própria forma de manter o objetivo em pé.

Sabe também que, após a viagem, virão livros, palestras e outros produtos. E há contatos para transmissões via Rádio Globo, além de poder disponibilizar transmissões de TV em tempo real ou gravadas, do blog, que será atualizado diariamente, e envio de fotos, pois vai manter um escritório em Campinas que executará esse trabalho. Não por acaso, Cury reviu recentemente Diários de Motocicleta, de Walter Salles, sobre a mítica viagem de Che Guevara, de motocicleta, pela América Latina no final dos anos 50. Naquele caso, a aventura levou Che a uma tomada de consciência. Neste, o empresário propõe de forma criativa uma grande virada na própria vida. De Kombi.

OS NÚMEROS

140 QUILÔMETROS
Fará César Cury por dia na viagem pela América do Sul.

44 MIL QUILÔMETROS Ele vai percorrer durante os 365 dias da viagem.

Viagem seguirá no ritmo da velha companheira, Hebe

Com o roteiro milimetricamente planejado, aventureiro diz que o “grande barato” é vencer o percurso lentamente

César Cury sabe que a viagem não será só uma viagem. Depende de como é feita e em que velocidade se anda. Isso lhe remete a um outro trajeto que realizou pelo chamado Caminho do Sol, este, a pé: 240 quilômetros em 11 dias entre Santana de Parnaíba (SP) e Águas de São Pedro, réplica brasileira do Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha.

Ele faz um paralelo entre os dois trajetos e os chama de peregrinação. Eles têm ritmo próprio, não é uma velocidade que deva ser imposta. “No Caminho do Sol, quem anda rápido se cansa logo. E ninguém está apostando corrida”, ressalta. Se fosse assim, diz, viajaria num Land Rover, e isso seria muito fácil. Na Kombi, tem de se obedecer o ritmo dela, sem forçar. “O grande lance é poder fazer essa viagem num veículo lento e antigo. Basta conhecimento e bom senso. Aí é que está a graça.”

E se apressa em fazer nova ressalva: “Nada há de heróico no que estou fazendo. Pode ser romântico, por causa do abandono do meu estilo de vida, da casa, dos amigos e da família. Heróico foi o Che, que encarou o desconhecido sem qualquer planejamento. No meu caso, a razão é que parei de me levar a sério”, diz, em uma referência à viagem de moto feita por Che Guevara pela América Latina.

Também garante que aceitará hóspedes eventuais na Kombi, mas o comandante dessa história é ele. “Não há problemas em ter hóspedes, pois alguns amigos planejam me encontrar em determinados lugares ou talvez eu encontre alguém pelo caminho, mas o ritmo quem determina sou eu.” Afinal, ele não quer saber de conflitos. “Quero curtir a solidão sem conflitos. Aceito hóspedes, não sócios.”

Planejamento

E lembra que os 100 primeiros d
ias, até Ushaia, extremo Sul da Argentina, estão milimetricamente planejados. De lá, pega um barco, viaja 800 quilômetros até o sul do Chile e entra na Rodovia Panamericana, a mais longa do planeta, pois termina no Norte do Canadá. O planejamento é tal que ele sabe exatamente quantas paradas fará. Serão 120 em 365 dias. Tal apego ao plano não significa que ele não espera improvisos e até mudanças de rota. “É possível”, garante, “mas, antes de tudo, estão meus compromissos firmados com patrocinadores, mas mudanças poderão acontecer, pois não é um projeto militar”.

E quando o repórter pergunta se ele está preparado para enfrentar problemas mecânicos e de informática, ele responde que sim e remete à figura do pai, o que talvez até explique porque optou por viajar de Kombi. Seu pai era apaixonado por Kombis, chegou a ter duas simultaneamente. E foi com a memória do pai, de quem aprendeu uma grande lição, que ele encerra a conversa: “Nunca seja refém de nada nem de ninguém”. (JN/AAN)

quarta-feira, 4 de julho de 2007

A GENTE É SECRETO.


- República, boa noite.
- Boa noite, o senhor pode fazer o obséquio de me enviar umas pizzas? Fala o desconhecido com tom formal.
- Claro. Qual o seu telefone por gentileza?
- Eu prefiro não revelar meu telefone, gostaria que o senhor me desse uma estimativa da espera que eu irei pegar as pizzas na portaria do condomínio.
- Senhor, sinto muito, mas assim não pode ser. Eu preciso do número do seu telefone fixo. É por ele que o programa localiza seu endereço, caso o senhor já esteja cadastrado em nosso sistema.
- Eu já falei para o senhor que não vou informar meu telefone. Em tom autoritário.
- Então senhor, não poderei atendê-lo. Não trabalhamos aqui marcando encontros entre clientes e entregadores na portaria do Jardim Florido.
- Muito bem. Pedirei em outra pizzaria!
TUUUU! - TUUUU! - TUUUU! - Desliga bruscamente.

Instantes depois...

- República, boa noite.
- Eu não disse que morava no Florido.
- Eu sei que não, senhor.
- Você rastreou minha ligação? Adotando uma postura intimidadora.
- É claro que não, senhor. Apenas deduzi. É que esse tipo de paranóia é típico de vários moradores do seu condomínio. - Falei provocando.
- Você acha que é paranóia? Berrando. Eu só quero preservar minha privacidade e a integridade da minha família. Não sei quem é o motoqueiro que você vai mandar na minha casa!
- Senhor, pelo que já havíamos conversado, o senhor não verá motoqueiro algum do República em sua casa. Lembra-se? O senhor não me informou o seu número de telefone.
- Olha aqui rapaz: Você está sendo irônico e isso eu não admito!
- É simples, senhor. Desligue seu telefone de número misterioso que eu preciso atender outros clientes.
- Eu quero falar com o gerente.
- Não temos isso aqui, senhor. Eu até poderia chamar o dono, mas eu não acho isso uma boa idéia.
- E por que não? Agora você está me ameaçando? Histérico.
- Longe de mim ameaça-lo, senhor. É que o dono sou eu e, até agora, estou me comportando como atendente de tele-marketing. Se o senhor preferir, posso falar como dono e aí certamente partiremos para o bate-boca, de igual para igual. Agora, o senhor me dê licença que eu tenho que trabalhar. Desliguei o telefone.

10 minutos depois...

- República, boa noite.
- Como é o seu nome?
- É o senhor de novo?
- É... Eu admito ter sido meio ríspido. Eu só quero umas pizzas.
- Olhe aqui senhor, nós não somos traficantes nem seqüestradores, apenas fazemos pizzas. Eu não vou colocar os entregadores em risco de se encontrarem misteriosamente sabe-se lá com quem.
- Nisso você tem razão. Como foi mesmo que você disse que é o seu nome?
- Eu não disse. Meu nome eu não posso revelar. Mas meu codinome é Smart... Maxwell Smart... Falei cinicamente segurando o riso.
- Tudo bem, isso já foi longe demais. Mande essas pizzas, por favor. Quase implorando.
- O senhor vai me dizer o número do seu telefone?
- Com a condição de que você apague o registro dessa compra e não me pergunte a razão.
- Tudo bem, isso é possível.
- O número é 3258-SECRET...
- OK. Na casa de Dona Marisa?
- ...
- Senhor?
- Isso. É, na casa da Marisa... Falou consternado.
- Pois bem, qual é o pedido?
- São duas de Frango-com-Catupiry, uma de Calabresa e uma de Aliche.
- Certo. Bebidas e sobremesas?
- Um minuto.... Você tem Martini?
- Devo ter uma garrafa fechada. Não é comum entregar bebidas desse tipo.
- Se tiver, quero essa garrafa e também umas oito Tortinhas-Holandesas. Quanto fica?
- R$ 193,90. Devo mandar troco?
- Não é preciso, vou pagar em dinheiro. Só não esqueça de deletar o registro da compra de hoje.
- Fique tranqüilo, dou minha palavra. Dentro de uns 40 minutos seu pedido será entregue.

Quando o entregador (natural de Sousas) volta...

- "Seo Cury... U sinhô num imagina a gandaia... Era umas déis moça correndo pelada pela casa, i uns véio atráis... Uma putaria que nunca vi igüar!"

quinta-feira, 28 de junho de 2007

UMA CARONA PARA O PEQUENO PRÍNCIPE.

Há cerca de um mês que sou perseguido por inúmeras referências ao Pequeno Principe, elas surgem nos e-mails que recebo de pessoas que nem se conhecem, em convesas de bar e também do meu filho que releu o livro recentemente e ficou admirado com o conteúdo novo que descobriu como adulto.
Quando essas coisas me acontecem, não sossego enquanto não mergulho no assunto e descubro a razão do universo ficar me sussurando insistentemente o mesmo tema. Algumas vezes não dão em nada, ou eu não consigo ver claramente as razões para tantos alertas, mas na maioria desses episódios recebo algum tipo de orientação que me é conveniente no momento.
Hoje de manhã, o Pequeno Príncipe foi o primeiro pensamento que me veio, antes mesmo de abrir os olhos. Olhei no relógio que marcava 06:18H, duas horas antes do que eu pretendia acordar. Saí da cama relutante, passei pela cozinha, apanhei um Toddynho e me sentei ao computador, digitei SAINT-EXUPÉRY no Google e apareceram milhares de páginas, escolhi uma qualquer e abriu-se uma mini-biografia do escritor-aviador. Descobri que se ele não estivesse "supostamente" morto, faria nessa sexta-feira, 29 de Junho, 107 anos.
Digo supostamente porque seu corpo, assim como do menininho de cabelos dourados que ele escreveu e desenhou, jamais foi encontrado. Igualmente ao Pequeno Príncipe, monsieur Antoine-Jean-Baptiste-Marie-Roger de Saint-Exupéry desapareceu.
Não contente, achei uma versão on-line do livro e acabei relendo-o, suponho que, pela terceira vez. Como acontece com quase todo mundo, me pareceu novo, tão novo que ousei levar minha Kombi para uma estrada imaginária e deserta. À margem dela um menino louro, miúdo, com uma pele muito branca caminhava no acostamento. Resolvi oferecer uma carona. Ele usava uma espécie de casaca vermelha com forro azul-marinho e um longo cachecol amarelo.

- Ei, garoto! Quer uma carona?
Sem dizer nada, abriu a porta da perua e com algum esforço subiu a bordo, sentando-se ao meu lado.
- Vai para onde?
- Prá lá. Disse, apontando seu dedinho na direção que seguíamos.
- Como é seu nome?
Ele me encarou e riu muito, uma risada deliciosa. Fiquei constrangidíssimo de me portar de forma tão cética e devolvi a ele um sorriso envergonhado.
- O que o trouxe de volta?
- O piloto.
- Ele está vivo? Perguntei abismado.
- Ele está no meu planeta.
- O que ele foi fazer lá?
- Foi soltar o meu carneiro que comeu a minha rosa.
- Por que ele fez isso?
- Disse que fez isso porque me ama.
- Não estou entendendo.
- A raposa contou ao piloto que a serpente e a rosa eram aliadas. Ele ficou tão furioso que resolveu ir até o meu planeta e soltar o carneiro que comeu a rosa. Ele disse que fez isso porque me ama e a rosa era traiçoeira, mentirosa e não merecia meu amor e meus cuidados. Mas ele não soube me explicar o que o fazia diferente dela, se ele também me fez sofrer.
- Acho que ele agiu pensando mais em si do que em você. Penso que ele se vingou da rosa porque você o cativou e depois o deixou, para voltar para a rosa, que não te tratava tão bem assim.
O principezinho ficou me olhando longamente enquanto eu conduzia a Kombi pelas curvas da estradinha.
Não suportando mais o silêncio e o olhar inquiridor do menino, temendo ter plantado intriga na amizade dele com o piloto, finalmente eu disse: - Mas posso estar errado...
- Você está! Ele acabou com a rosa porque eu a amava e ela me fazia sofrer. Assim sofri muito, mas tudo de uma vez.
- Deve ser isso. Escapei aliviado.
- O que o piloto esqueceu é que as rosas são efêmeras. Um dia aquelas mentiras e maus-humores dela teriam fim. Ele não precisava ter feito aquilo.
- Você tem razão, menino.
- Mas só penso assim agora. Quando contemplava sua beleza e sentia seu perfume achava que nos dois éramos eternos, que ela seria sempre bela, perfumada e sempre minha.
- Você ainda está muito triste?
- Não tanto como no dia que aconteceu. Fico mais triste quando vejo o piloto. Ele nunca mais foi o mesmo. Vê-lo me faz lembrar da minha rosa e ele sabe disso.
- Tente fazer um bem para ele... Arrisquei.
- Como assim?
- Diga que de agora em diante você só o olhará com o coração...
- Porque o essencial é invisível aos olhos... Completou o guri, me fazendo corar pela obviedade da proposta.
- Acontece que não podemos negar o que os olhos vêem. Você tentou fazer isso quando perguntou o meu nome. Não dá certo. Os olhos são aliados das rosas e serpentes.
- De onde você tirou isso?
- A raposa me contou.
- Ela também está morando no seu planeta?
- Não. Lá não tem galinhas. Esqueceu? É que quando eu voltei, ela fez uma festa para mim.
- Como ela soube quando você voltaria?
- Ela não sabia, por isso preparava a festa todos os dias.
- Essa, realmente, é uma grande amiga.
- Mesmo assim ela também contribuiu com o meu sofrimento contando ao piloto sobre as artimanhas da serpente e da rosa.
- Acho que é inevitável. Amigos machucam amigos pensando que estão fazendo o melhor.
- Cativar e ser cativado sempre nos fazem sofrer?
- Acho que sim. Respondi sem nenhuma convicção.
- Então por que não desistimos do amor?
Calei-me e ele, como era de se esperar, insistiu:
- Por que não desistimos do amor?
- É a nossa natureza. Chutei.
- Nascemos para amar, assim como os carneiros nasceram para comer ervas ou rosas. Completei meu raciocínio.
- Mas você também come ervas, não é?
- Sim, eu como.
- Então pode ser que os carneiros também amem. Acho bizarro comer carneiros.
Calei-me envergonhado de ter abandonado minhas convicções vegetarianas.
Ele se pôs de joelhos sobre o banco olhando para a traseira da Kombi.
- É grande isso aqui. (Referindo-se à perua) - Cabe tudo que tenho em meu planeta, inclusive o piloto e o limoeiro.
- Até os vulcões?
- Claro que não! Os vulcões e o planeta são inseparáveis, se você tira-los do planeta não serão mais vulcões.
Concordei fazendo uma cara de paspalho que o fez soltar sua deliciosa gargalhada novamente. Aproveitei o clima de bom humor e perguntei a verdadeira razão dele ter voltado à Terra.
- Vim buscar outra flor.
- Outra rosa?
- Não. Ainda não sei. Mas não quero outra rosa.
- Posso dar um palpite?
- Claro! Disse ele com o rostinho iluminado sentando-se sobre os calcanhares e com os olhos cravados em mim.
- Você disse que agora tem um limoeiro lá...
- Foi o piloto que levou. Carneiros não gostam do sabor azedo e o limoeiro é a única coisa verde que o meu carneiro não come. Além do mais ele não cresce muito. O piloto escolheu bem.
- Eu proponho que você leve uma orquídea.
- Por quê?
- Eu tenho predileção pelas orquídeas por várias razões: Acho que são as flores mais bonitas da Terra, depois de adaptadas, quase não precisam de cuidados, algumas possuem um perfume delicioso e, o mais importante: O caráter delas...
- Como assim?
- Pra começar as orquídeas não possuem espinhos, não precisam de terra, vivem no alto, agarradinhas às árvores - o que manterá a sua a salvo do carneiro se você coloca-la no limoeiro, e tem mais...
- Diga! Falou o principezinho quase não controlando sua excitação.
- Elas, basicamente, precisam apenas de água e sombra. Você tem chuva lá?
- Isso é fácil. É só jogar um pouquinho de água nos vulcões que, antes do primeiro por do sol, chove no planeta todo. Mas se elas não ficam na terra, se alimentam de que?
- Isso é uma das coisas mais belas da vida das orquídeas: Apesar de viverem agarradas nas árvores, elas não tiram nada de suas hospedeiras, apenas as enfeitam. Elas se alimentam de muito pouco. Absorvem nutrientes trazidos pelo ar e pela chuva, partículas invisíveis para os nossos olhos.
- Mas essenciais. Completou o menino exultando de alegria.
- Você sabe onde posso encontrar uma orquídea?
- Sei e já estou te levando para lá. Mas antes quero te falar mais umas coisa sobre elas.
- Fale!
- As orquídeas, em sua enorme maioria, são as mais generosas das flores. Como te falei elas não precisam de muitos cuidados, se alimentam do que o planeta despreza e nos presenteiam com flores belíssimas todos os anos, porém só uma vez por ano.
- Mas isso é ótimo! Gritou!
- Por quê? Você não gostaria de ter flores todos os dias?
- Gostaria, mas só por um tempo. Depois não daria mais importância para elas. Se souber quando minha orquídea vai florescer, mesmo antes do primeiro botão aparecer, já ficarei feliz. Para nos manter cativados é preciso ter rituais, celebrações. Eu irei visitar minha orquídea todos os dias e preparar uma festa para quando ela der flores. Do mesmo modo que fez a raposa enquanto aguardava minha volta.
- Fico grato por você ter me lembrado disso.
- Não foi nada. Disse ele fazendo um gesto de reverência e completou: - Faz parte da minha natureza lembrar você do que é essencial. E gargalhou deliciosamente outra vez.

°-°

Parei a Kombi na frente do orquidário e o menino saltou imediatamente. Queria que eu o acompanhasse. Disse a ele que não devia, que mesmo sem querer eu poderia influenciar a sua escolha e isso não seria bom. Expliquei que lá dentro ele deveria escolher e ser escolhido por sua orquídea, diferentemente do que ocorreu com a rosa, quando nenhum dos dois teve outra alternativa.
Ele esticou suas mãozinhas em minha direção e eu me ajoelhei para abraçá-lo. Ficamos alguns instantes assim até termos a coragem de nos encarar e revelar nossos olhos rasos d'água.
- Nós vencemos! Disse ele, e correu em direção à enorme estufa.
- Vencemos o que? Gritei.
Ele se deteve e quando se virou para mim já carregava um lindo sorriso.
- Vencemos os nossos olhos! Agora eles não são mais aliados da serpente e da rosa. Uniram-se aos nossos corações, foram cativados por nossas lágrimas.
Acenou vigorosamente com os dois bracinhos e sumiu na penumbra do galpão.

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segunda-feira, 18 de junho de 2007

PELO AQUECIMENTO PESSOAL.


* foto de Marta Ferreira em www.olhares.com
Não consigo evitar.
Todo ano a mesma história se repete: Dias mais curtos e mais frios me fazem meio depressivo. Vou me encolhendo, baixando a atividade e a imunidade até que pimba: Gripe!
Agora já estou me recuperando. Restou apenas uma tosse que vai me anunciar por mais umas duas semanas. Esse ano até que foi light, em 2006 fiquei uns dez dias de molho, o que foi até bom. Repensei minha vida e tomei decisões que vinha postergando, sem saber, há anos.
Mas essas elucubrações íntimas não são assunto para hoje. Quero ponderar sobre uma legião de adoradores do Inverno, gente que ama o frio. Não consigo entende-los, pelo menos dentro da estrutura de conforto que minha vida tropical oferece. Moro numa casinha super-confortável, mas não possui calefação, as noites frias tem que ser enfrentadas sob as cobertas mesmo, igualmente ao meu meio carro (metade dele é de minha ex-mulher) é uma pick-up Strada básica, sem ar-condicionado o que nos obriga, nos dias frios, a manter as janelas fechadas e, de tempos em tempos, passar aquela maldita flanelinha no parabrisas, muitas vezes provocando tchauzinhos de uns desligados ou gozadores. Hebe, a Kombi, ainda continua refém do funileiro. Sei que ela possui um sistema de calefação que coloca dentro do carro o ar aquecido pelo motor, o que não é exatamente saudável e já gerou algumas lendas urbanas sobre famílias (nipônicas) inteiras mortas por asfixia. Deve ser exagero, não tive possibilidade de testar. Acho que o funileiro se preocupa demais com a minha saúde.
Voltando a esse povo que diz adorar o frio, acho que são mentirosos ou masoquistas enrustidos. Vou citar algumas das coisas que me irritam profundamente no inverno:

Dormir só: Uma roupa de cama caríssima em puro algodão se transforma num martírio nas noites de frio. Depois que você consegue aquecer o ninho é preciso muita coragem pra mudar de posição. Durmo encolhido, sufocado por uma pilha de cobertores, mantas e edredons, acordo dolorido, desanimado, com medo de enfrentar o mundo gelado além das cobertas. Tem ainda a decadência estética: Se no verão durmo quase nu, agora, nessas noites frias me peguei usando até umas pantufas de cachorrinho. (De onde mesmo que veio isso?) Olhar no espelho de manhã usando uma calça de moletom surrada, um suéter velho e pantufas azuis de cachorrinho arrasam com a auto-estima de qualquer um.

Insônia: Tenho, eventualmente, passado por isso. No Inverno fico imobilizado, tentando induzir sonhos, relaxar o corpo, controlar a respiração, esperando que Morfeu me acolha. Nada funciona e fico até o amanhecer maldizendo a temperatura que me impede de, como nas noites quentes, sair pelado pela casa, ler um livro ou uma revista, tomar Coca-Light, acender um cigarro, deitar no tapete ouvindo jazz, navegar na internet e encontrar outros insones. Ou seja, insônia é para climas quentes, no frio, bom mesmo é dormir, para quem consegue ou é urso.

Dormir acompanhado: Tenho uma vaga lembrança disso. Me recordo que a gente sofre um bocado com pés e mãos alheios gelados, mas o que mais me revolta é o bumbum antártico! Aparentemente, mulheres de nádegas esféricas, grandes e bonitas foram feitas para viver em zonas tropicais, na Africa, por exemplo. Acho que há uma deficiência de irrigação sangüínea nesses lindos derrières avantajados que me fazem sentir, em noites frias, como se encochasse uma estatua de mármore. Ainda assim é muito melhor que sozinho de pantufas, moletom e suéter. Vale lembrar que namorada e esses trajes são incompatíveis. Nem pensar em tirar essa cafonice do armário se tiver companhia para dormir.

Banheiro: Já que estamos falando em bundas, tem coisa pior do que sentar no vaso sanitário numa manhã gelada? Tem sim! No bidê! E os banhos então? Chuveiro ligado há meia hora, tudo embaçado, estratégia para entrar no banho, outra pra sair da água e finalmente abraçar aquela toalha que parece ter dormido no freezer. Fazer a barba, escovar os dentes, lavar o rosto – tudo é penoso. O banho que no verão é um prazer, torna-se, no inverno, uma terrível obrigação.

Cozinha: O apetite aumenta, tudo bem! Mas a comida esfria muito mais rápido do que consigo come-la. Os sucos e refrigerantes são evitados, tenho o consolo dos vinhos, traiçoeiros, que carregam consigo as lembranças ébrias de uma noite de verão. E o pior de tudo: Sempre há mais louça pra lavar, com água fria.

Sapatos: Os mais confortáveis e amaciados são os que uso no verão. Aqueles pesados e quentes, normalmente os encontro ressecados e embolorados sempre que preciso deles nos primeiros dias frios.

Roupas que uso: Pesadas e mais austeras do que as do calor, as roupas de frio sempre me trazem uma certa nostalgia, parecem contar histórias do inverno passado. Deve ser por conta do leve odor de mofo que elas trazem.

Roupas que elas usam: Se escondem são adequadas e sem graça, se mostram são inadequadas e fim de papo. Barriguinha (mesmo que bonitinha) de fora com menos de 20ºC é atentado ao bom senso e ao bom gosto.

Lavar Roupas: Antes de tudo, no inverno há a dúvida, no verão a evidência! Não sei se acontece com todo mundo, mas eu fico com dor de consciência quando coloco as roupas na lavadora durante o inverno. Usei essa camiseta uma vez, o colarinho está limpo, não tem cheirinho, lavar por que? Por via das dúvidas, lavo. Já no verão, as roupas depositadas no cesto do banheiro ficam sussurrando odorificamente: Me lava, me lava, me lava!

Jardim: Tudo seco. Grama cheia de folhas, formigueiros pipocando, não temos flores nem beija-flores. Tudo que se mexe no jardim durante o verão corre pra dentro de nossa casa no inverno. Nada melhor para estragar um dia do que pisar (com as pantufas) numa centopéia friorenta que veio recolher seus cem pezinhos gelados bem embaixo da sua cama. - CRECK! - ARGH!

Trabalho: Todo mundo de saco-cheio: Revoltados por terem que sair de casa, revoltados por não estarem em casa e mais revoltados ainda por terem que voltar pra casa nesse puta frio. No meu caso, uma pizzaria, ficamos, sempre que possível, reunidos em torno do forno, até que a clientela nos tire do conforto para atender mesas e telefones. Motoqueiros com nariz escorrendo, garçons com os nojentos suéteres velhos sob o uniforme, porteiro gripado, telefonista fanha. Um horror.

Por essas e por outras que não me lembro mais, já que estou maluco de acido acetilsalicílico, paracetamol e cheirado de Vick-VapoRube é que pergunto: Qual é a graça do inverno?

quarta-feira, 30 de maio de 2007

MINHA NAMORADA


O pequeno repertório da fase experimental da Radio Kombinações (post anterior) não foi exatamente escolhido, apenas peguei quase tudo que tinha no computador e coloquei pra rodar aleatoriamente (às vezes trava).
Um benefício adicional de ter montado essa “rádio” foi ter redescoberto que é muito mais prazeroso trabalhar com música. Quando foi que eu parei de fazer isso?
Percebi também que meu gosto musical é eminentemente piropeiro (veja o post A Arte do Piropo). A enorme maioria das músicas fala de amor, mas não de amores perdidos, de dores de cotovelo. Cantam, quase sempre, a busca do amor possível, recíproco e perfeito; bem a minha cara (Vide os posts A Primeira Viagem e Amor e Repulsa). Desconfio que essa postura é o ingrediente fundamental da alma piropeira, ou pirôpera, como diz uma amiga querida.
Entre as quase cem músicas que estão “no ar” há uma que considero o hino dos piropeiros, uma composição de Carlos Lyra e Vinicius de Moraes (o Rei) que, segundo reza a lenda, foi a “arma” usada pelo Carlinhos para conquistar o coração da belíssima Kate, sua companheira há 40 anos. Não é pra menos: Não há piropeiro sério que não sinta uma pontinha de inveja da poesia perfeita, bem como é impossível imaginar uma mulher que mereça ser amada não se emocionar com essa música de 1962.



MINHA NAMORADA
VINICIUS DE MORAIS E CARLINHOS LYRA -1962


Se você quer ser minha namorada
Ah, que linda namorada
Você poderia ser
Se quiser ser somente minha
Exatamente essa coisinha
Essa coisa toda minha
Que ninguém mais pode ser


Você tem que me fazer um juramento
De só ter um pensamento
Ser só minha até morrer
E também de não perder esse jeitinho
De falar devagarinho
Essas histórias de você
E de repente me fazer muito carinho
E chorar bem de mansinho
Sem ninguém saber por quê


Porém, se mais do que minha namorada
Você quer ser minha amada
Minha amada, mas amada pra valer
Aquela amada pelo amor predestinada
Sem a qual a vida é nada
Sem a qual se quer morrer


Você tem que vir comigo em meu caminho
E talvez o meu caminho seja triste pra você
Os seus olhos têm que ser só dos meus olhos
Os seus braços o meu ninho
No silêncio de depois
E você tem que ser a estrela derradeira
Minha amiga e companheira
No infinito de nós dois

segunda-feira, 28 de maio de 2007

RÁDIO KOMBINAÇÕES

Eis uma novidade:
Estamos testando uma modalidade de comunicação que poderá ser muito útil durante a viagem.
Enquanto não arrumo um provedor de verdade, a programação está sendo "transmitida" aqui de casa mesmo.
Para ouvir clique na imagem aí em cima ou no link à direita.

domingo, 27 de maio de 2007

POR UMA VIDA CIGANA.




Estou em “produção produtiva”, apesar dos afazeres domésticos atrasados ficarem atormentando minha consciência.
Acho que existem três categorias de atividades: As que gostamos de fazer, as que devemos fazer e as que temos que fazer.
Sobre as que gostamos, nem é preciso falar, já, entre as que devemos fazer ficam aquelas nem sempre empolgantes, mas que resultarão em situações que nos darão prazer ou realização, para simplificar vou chama-las de “preliminares”. Um exemplo é essa ilustração aí em cima que acabei de terminar e faz parte de uma apresentação dirigida à agência de publicidade de um dos patrocinadores do Projeto Kombinações. Agora, as coisas que temos que fazer, eu as classifico naquelas obrigações repetitivas e vazias, que em determinados períodos da vida não arrumamos meios de delegá-las a outra pessoa, essa, por sua ótica, encararia essas tarefas na categoria “devo fazer”, por um salário, obviamente.
Enquanto traçava sobre o continente sul-americano o rascunho da viagem, contabilizei uma série de coisas que não terei mais que fazer por, no mínimo, um ano:
1. Lavar quintal (com Creolina).
2. Cortar grama.
3. Recolher o cocô da cachorra.
4. Varrer o jardim.
5. Molhar plantas.
6. Alimentar a Rita (razão dos cocôs no quintal).
7. Arrumar a cama.
8. Limpar o fogão.
9. Passar aspirador.
10. Colocar o tapete no sol.
11. Espanar livros.
12. Lavar o banheiro.
13. Passar roupas.
14. Arrumar o armário.
15. Encerar o quarto.
16. Lustrar os móveis.
17. Etc.
A lista é tão grande e sedutora que acho que vou me mudar para a Kombi muito antes da viagem começar.

sábado, 26 de maio de 2007

PEDRINHAS.

Há mais de 20 dias que não publico nada, não tive tempo. Fui consumido por uma espécie de motim eletrônico. Aqueles períodos que desejamos voltar para as cavernas.
Tudo começou com um aviso do monitor de um computador lá da pizzaria, ele passou a se comportar como um camaleão, exibindo aleatoriamente seu Red-Green-Blue, um de cada vez. Não parecia ser nada sério, nem suspeitei que fosse o primeiro sinal do inferno que os chips estavam preparando para mim. Descobri que com um bom pé-de-ouvido da direita para esquerda suas cores voltam ao normal por algumas horas. Dá pra ir levando, mas é claro que está agonizando.
Depois foi o PABX que pirou, esqueceu sua programação, nos proibiu de efetuar ou receber ligações. Pizzaria sem telefone é melhor fechar. Passei um dia inteiro, vestido com meu macacão de faz-tudo, soldando inúmeros fiozinhos, testando linhas, checando ramais. Orgulhoso, constatei que valeu a pena: Ficou quase como era antes. Está funcionando, mas terá que ser trocado.
Aí então, nosso servidor começou a engolir pedidos, eles simplesmente foram para um buraco negro de seu HD e nunca mais os encontramos. Perdi outras boas horas mexendo na programação do bicho, vasculhando seu banco de dados e mostrando pra ele quem é que manda nessa bagaça. Funcionou, mas suspeito que por poucos dias, também precisaremos de um computador novo.
Achei que essa rebelião de elétrons estava confinada à pizzaria, mas aqui em casa o PC também começou a se comportar de modo estranho. Sem mais razões ele passou a desligar e religar sozinho. Demorei três dias para descobrir que a placa de vídeo era a culpada. Trocada por uma nova e mais potente, agora posso até jogar Second Life, se conseguir entender a lógica da coisa que me parece obscura.
Contei tudo isso por dois motivos: Justificar a ausência de novos posts e ponderar sobre as coisas que resolvem quebrar simultaneamente.
Fiquei imaginando se uma avalanche dessas ocorrer quando eu estiver viajando, há milhares de quilômetros daqui. Sou maníaco por precaução, sei que terei um plano B e até um C para quase tudo, carregarei peças de reposição para a Hebe e para toda a parafernália eletrônica que vai me acompanhar. Mas como será quando quase tudo falhar ou quebrar, ao mesmo tempo, quando os planos B e C se esgotarem?
Numa viagem monitorada como essa, acompanhada virtualmente por (espero) milhares de pessoas, não poderei ficar “fora do ar por problemas técnicos” por muito tempo, terei compromissos com a audiência e com os patrocinadores.
Isso vinha me deixando paranóico, especialmente durante esses meus dias de “apagão” particular.
Lembrei-me então do Amir Klink, ele de novo. Por todas as suas andanças, ou naveganças, recolheu pequenas pedrinhas dos lugares que tiveram algum significado para ele, são lembranças singelas e gratuitas que o fazem recordar do essencial das viagens, o fato de ter estado naqueles lugares.
Vou fazer uma adaptação ao hábito do Amir e levar as pedrinhas de casa. Arrumarei uma caixinha para acomodá-las e, sempre que o plano A, o B ou o C forem insuficientes, apelarei para minhas pedrinhas. Na caixinha escreverei FODA-SE. Vai ser assim: Quando não houver mais solução por falta de recursos materiais, humanos ou climáticos, vou abrir minha caixinha de FODA-SE e arremessar uma pedrinha pela janela.
Essa idéia me deu um enorme conforto, é como se eu levasse um estoque de Prozac. Minha ansiedade baixou de forma surpreendente e acho que com a caixinha de FODA-SE ao meu lado ficarei muito mais seguro diante de qualquer adversidade.
Só tenho uma dúvida, sobre a qual peço a opinião de vocês, caros leitores: Devo levar uma outra caixinha? Rotulada com FODA-SE “B”?

domingo, 6 de maio de 2007

KOMBINAÇÕES - A revelação.


Finalmente a Revista CNT foi publicada (edição 141) e as “verdadeiras intenções” desse blog podem ser reveladas. Até hoje guardei um “quase segredo” em respeito ao ineditismo da entrevista. Abaixo a íntegra da “conversa teclada” com Ricardo Ballarine, editor-executivo da publicação. (não deixe de visitar o seu blog Verbo Transitivo – link aí à direita).


Desde quando você tem essa afinidade com a Kombi?
Descobri quase todo mundo tem lembranças boas relacionadas com Kombis. Era o carro do avô ou de um tio querido, a perua-escolar, o padeiro que trazia bombas e sonhos, ou o pamonheiro. No meu caso, tive o privilégio de ter um pai “kombidólotra”, ele teve várias Kombis, às vezes mais de uma simultaneamente, mesmo sendo o único motorista da família. Minha mãe era professora na mesma escola onde fiz o primário, ele nos levava e ia buscar todos os dias. Sendo o caçula de quatro irmãos que estudavam em outro colégio, aquele trajeto me parecia mágico. Eram nesses poucos minutos diários que sentado no banco da frente, entre meus pais, eu os tinha só pra mim. Tornei-me um motorista teórico nessas “aulas”. Observava a troca das marchas determinada pelo barulho do motor, o movimento dos pés sincronizados com a mudança de posição da enorme alavanca do câmbio. Quando tive oportunidade de pegar um carro pela primeira vez, aos treze anos, saí dirigindo Tenho ainda ótimas lembranças das férias de dois meses que passávamos na praia, todos os anos, sempre de Kombi.

E o projeto Kombinações, como surgiu?
Foi, como o nome também diz: A combinação de vários fatores pessoais e profissionais que me permitiram tirar da gaveta um sonho antigo. Há muitos anos pretendi fazer uma aventura assim com a mulher e filho a bordo de um barco. Cheguei a me habilitar como mestre-amador, fiz cursos de GPS e navegação astronômica, comprei todos os livros do Amyr Klink, da família Shürmann e tantos outros navegadores, mas não consegui levar o projeto adiante devido ao receio de minha mulher e o apego de meu filho à cidade, escola e amigos. Em outra ocasião propus a eles um projeto semelhante, só que de ônibus, pelo interior do Brasil, novamente fui voto vencido e o dinheiro do ônibus e do barco acabou sendo usado para montar a pizzaria que tenho hoje.

O que mudou agora?
Meu filho cresceu, eu me separei de minha mulher e agora tenho uma Kombi Luxo 1968 (risos).
Na verdade, aconteceram outras combinações. Eu comprei a Kombi em janeiro desse ano, por fotografia num site de leilões da internet por R$ 2.999,00. Minha intenção era ter um carro bem barato para me locomover da pizzaria para minha casa, pouco mais de cinco quilômetros. Dei o lance suspeitando que ela não valesse nem isso, mas, no primeiro dia com ela, quando a levei para o meu mecânico consertar o câmbio que escapava marchas, ele a examinou longa e minuciosamente. Finalmente perguntou onde eu havia arrumado “aquilo”. Constrangido, contei a ele a origem e já fui logo dizendo o quanto paguei por “aquilo”, com receio de passar por louco ou trouxa. Ele me ofereceu o dobro. Disse que eu havia achado a famosa “mosca branca”, que não acreditava estar vendo um carro dessa idade com a estrutura tão perfeita. Foi a partir disso que tirei da gaveta meus velhos projetos e os adaptei para uma aventura solitária a bordo da Kombi quarentona.
Kombinações também tem esse significado para mim, mas o nome é a síntese de toda a proposta: É uma viagem em busca das Nações que existem em nosso continente, não só as delimitadas por fronteiras internacionais, mas as inúmeras faces e hábitos do nosso povo sul-americano que combina sangues e culturas criando sempre novas versões, fazendo da gente dessa terra a mais rica e diversificada humanidade do planeta.

Quais serão os países visitados?
O roteiro estabelecido até o momento, parte de Bertioga, em São Paulo e segue até o Chuí, de lá, entra pelo Uruguai, Argentina, Chile, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela. Retorna ao Brasil por Boa Vista, em Roraima, cruza a região amazônica e reencontra o Atlântico no Nordeste e desce pelo litoral brasileiro até retornar ao ponto de partida em Bertioga. É um giro no continente em sentido horário com quase 30.000 quilômetros, sempre que possível, enxergando o mar à minha esquerda.

Por que a América Latina?
As Guianas ficaram de fora pela quase impossibilidade de acesso por via terrestre, não pelo fato de utilizarem idiomas não latinos. Quanto à Bolívia e Paraguai, não foram incluídos no roteiro num primeiro momento porque estou priorizando os limites impostos pelo mar. Mas estou trabalhando com uma boa folga na estimativa de quilometragem diária, se eu aumentar em 20% meu tempo diante do volante a cada deslocamento, posso incluir esses dois países. No momento estou detalhando o roteiro, tempo de paradas e datas. Comecei essa semana a colocar os alfinetes no mapa do Rio Grande do Sul, acredito que quando chegar ao Chile, ali pelos primeiros 7.000 quilômetros, terei uma idéia mais consistente da possibilidade e conveniência de incluir ou não os dois paises sem litoral.

E depois, há planos de novas viagens? E o Brasil, pensa em percorrer?
Sim, ainda nem fiz a primeira e já estou sonhando com mais duas nesse estilo e uma terceira que seria uma espécie de caravana de voluntários. As duas nos moldes de Kombinações seriam uma pela América Central, puramente turística e outra pelo interior do Brasil, visitando os menores e mais esquecidos povoados. A terceira viagem, essa do voluntariado, seria para retornar aos lugares brasileiros onde, nas passagens anteriores, eu tivesse identificado carências e especialmente potencialidades que os povos desses locais nem sequer tenham cogitado existir. É muito comum que o “forasteiro” enxergue riquezas e soluções óbvias em terras e realidades sociais diferentes da sua. Se o projeto Kombinações tiver a repercussão que eu imagino, não será difícil reunir pessoas de boa vontade para missões humanitárias que incluiriam desde ações no âmbito da saúde e higiene até professores e professoras de ofícios como costura, marcenaria, carpintaria, artesanato, etc..
As nossas universidades estão abarrotadas de soluções baratas para geração de energia, irrigação, estudos de viabilidade econômica de empreendimentos agrícolas familiares e implantação de cooperativas. É preciso que esse patrimônio intelectual e tecnológico chegue a quem mais precisa.
Posso até imaginar um pequeno povoado, pobre e esquecido, sendo invadido por uma ou duas semanas por dezenas de voluntários das mais diversas áreas, trazendo um caminhão de benefícios, cuidados e, principalmente, conhecimento. Sei que isso mudaria de forma positiva a vida de todos os envolvidos, a ponto de no final, nem visitantes nem anfitriões saberem quem foram os verdadeiros beneficiados. Eu já presenciei uma situação assim.

Qual a data de partida e a duração da viagem?
Se eu fiz a leitura correta do número de identificação que consta na plaqueta da Kombi, quero sair no dia do seu quadragésimo aniversário: 22 de Abril de 2008. Não consegui ainda uma confirmação confiável da data de fabricação, mas gostaria muito de fazer esse ritual. Afinal, dizem, a vida começa aos quarenta.
O roteiro está sendo elaborado para durar exatamente um ano. Mas há diversas variáveis, especialmente climáticas que podem alterar em alguns dias essa previsão, inclusive a data de partida.

Existe alguma razão especial para partir de Bertioga?
O Amyr Klink, diz em seu livro Paratii, que o momento mais difícil da viagem é a partida. Eu pretendo diluir isso em três despedidas: A primeira em Sousas, distrito de Campinas, minha terra e onde tenho a pizzaria, por razões óbvias; A segunda em São Bernardo do Campo, na fábrica da Volkswagen, mas eles (da VW) ainda não sabem disso (risos), e a terceira e marco oficial do início da viagem, em Bertioga, lugar onde passava aquelas longas férias na infância, sempre levado pelas Kombis de meu pai. Em minha memória Bertioga e Kombi são inseparáveis.

Que adaptações serão feitas na Kombi para a viagem?
Ela está sendo restaurada. Voltará a ter todas suas características originais. Quero fazer o mínimo de adaptações possíveis, só vou alterar o que for absolutamente necessário, como a parte elétrica, por exemplo, que terá que ser robusta para suportar os diversos equipamentos eletrônicos que serão instalados nela. Esteticamente ela ficará como no dia que saiu da linha de produção.

Que equipamentos serão esses?
Um sistema de navegação por GPS, um rastreador por satélite, um sistema de comunicação por telefone e internet, um computador de boa capacidade para edição de imagens, um laptop como backup e para uso no campo, carregadores de baterias para equipamentos portáteis como câmeras digitais e filmadoras, uma mini-geladeira, um ventilador e o som, se não me esqueci de nada.

Numa viagem com essa quilometragem e duração é de se esperar por imprevistos. Na eventualidade de defeitos na Kombi, como você pretende agir?
Tenho um bom conhecimento de como me safar dos problemas mais comuns que costumam ocorrer. Vou levar uma oficina básica, um manual da época de diagnósticos e manutenção e várias peças sobressalentes como um carburador, bomba de combustível, bobina, velas, correias, cabos de acelerador e embreagem, câmeras de ar e, evidentemente, um rolo de arame que conserta quase tudo nos Volkswagen daquela época.
Percebo uma grande apreensão das pessoas quando conto a idade da Kombi que vai me levar nessa viagem. Nessas ocasiões costumo lembrar que o Boeing 707 que servia aos presidentes do Brasil até pouco tempo atrás, o Sucatão, foi fabricado também em 1968. Tudo é uma questão de manutenção adequada. Além do mais, se eu estiver errado e ela quebrar, estaremos no chão e não voando (risos).

Onde você dormirá nessas 365 noites? Em hotéis?
Não. A simplicidade faz parte da filosofia desse projeto. Na maioria das vezes vou dormir em campings, na barraca dobrável que será instalada no bagageiro da Kombi. Posso eventualmente ficar em pousadas, mas somente se forem atraentes por outros aspectos que não seja o luxo. Os hotéis, por sua natureza, primam pela privacidade e essa viagem foca exatamente o contrário, o contato humano, a feitura de laços, a troca de experiências.

E os custos do projeto? Há patrocinadores ou trata-se de uma produção independente?
Vou precisar de patrocinadores. Espero contar com o apoio de empresas ligadas, à telecomunicação, ao turismo de aventura, mapeamento digitalizado e rastreamento rodoviário, e evidentemente, da montadora.

Você já concretizou alguma parceria?
Sim, com a Softway que produz soluções e softwares específicos para o comércio exterior, uma espécie de despachante aduaneiro eletrônico e instantâneo. Eles vão me dar um considerável suporte financeiro durante a viagem.
Oportunamente essa entrevista está se antecipando aos contatos em busca de patrocínio que eu pretendo fazer nos próximos meses, o que é bom, pois vai abrir várias portas.

Que espécie de retorno seus patrocinadores podem esperar?
Agora temos que deixar um pouco de lado a poesia que norteia essa viagem e falar de comunicação comercial. Vou tentar pintar um quadro sem citar os nomes das empresas que sonho como parceiras.
Basicamente pretendo me expor como se fosse o único participante de um reality-show itinerante. Quero que qualquer pessoa que tenha acesso a um computador, possa participar dessa viagem de diversas formas: Checando minha posição, rumo e velocidade num mapa ou imagem de satélite quando acessar o site da empresa de rastreamento de veículos, pode ainda solicitar no site de ampliações digitais que eu tire uma foto de um ponto no qual ela tenha interesse e receber essa foto em casa pelos correios, pode chegar junto comigo em Ushuaia ou Manaus através das imagens captadas pelas câmeras da Kombi e transmitidas ao vivo (ou quase) pela empresa de telefonia, pode participar de um “chat” comigo no site da montadora. Pode acessar, a partir do site do projeto ou do meu blog, produtos ou serviços que eu tenha usado e aprovado na viagem. As possibilidades pela internet são infinitas, além do que, pretendo escrever e fotografar como freelancer para veículos de mídia impressa.
Para isso estou fazendo um pesado investimento em mim mesmo, aprendendo espanhol, fotografia, cinema e edição digital de imagens.

As parcerias vão se restringir à empresas ou produtos diretamente ligadas à viagem?
Não necessariamente. Qualquer empresa social e comercialmente ética é bem-vinda, desde que sua participação não implique na deturpação do projeto.

Você deu um nome para sua Kombi, se importa em dizer?
Não vejo problema, mas antes quero esclarecer que se trata de uma homenagem carinhosa as duas, a Kombi e a pessoa.
O nome é Hebe. É perua, é coroa, mas está enxuta!
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Fim, ou melhor, isso é só o começo!

quinta-feira, 3 de maio de 2007

NOSSA SENHORA DA KOMBI


Não sou religioso, mas estou muito longe de ser ateu. Digamos que tenho bastante afinidade com a espiritualidade desde que mantida distante de templos e igrejas. De tempos em tempos me pego especulando doutrinas, mas nunca tive o necessário desprendimento intelectual para me entregar a alguma religião, de forma cega, como fazem os “verdadeiros crentes”, porém, alguns fatos ocorridos ao longo de minha vida, me fazem suspeitar que goze de certo prestígio “lá em cima”.
Sem querer parecer pretencioso nem, longe de mim, cometer blasfêmia, acho que Nossa Senhora é minha devota. Digo isso baseado numa série de acontecimentos da minha história pessoal na qual Ela se mostrou amorosamente presente. Questionei-me várias vezes o porquê dessa relação não ser recíproca. Já tentei reverencia-la na imagem clássica da Igreja Católica, experimentei encaixa-la na personalidade de Deus-Pai-Mãe das filosofias orientais, vê-la como a Mãe Divina dos nativos americanos e nem assim consegui desenvolver a devoção que, creio, Ela merece.
Soube por minha mãe que quando era bebê fui consagrado a Nossa Senhora num convento em que, supostamente, algumas freiras rezam por mim todos os dias desde então. Talvez seja por isso que nas horas de maior aflição ou de extrema alegria, ou ainda sem qualquer aviso, Ela se mostre ou interfira em meu benefício. São várias as minhas histórias com Ela, mas aqui vou contar uma que tem a ver com o foco desse blog: A Kombi.
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Eu devia ter nove ou dez anos e voltava da escola, sentado entre meus pais no banco da frente da Kombi. Nós três fazíamos o mesmo trajeto diariamente, por volta do meio dia. Minha mãe lecionava no pré-primário e eu, suponho, estava no quarto ano.
Mamãe abominava as Kombis que meu pai amava. Ela vivia repetindo que o carro não tinha frente e no caso de uma batida, sem dúvida, seríamos mortos. Já meu pai alegava que carro algum foi feito para se envolver em acidentes, especialmente pra bater de frente.
O velho Joaquim era um ótimo motorista, precavido e atento, aprendi com ele a dirigir mirando quadras à frente, me antecipando às intenções dos outros motoristas.
Nesse período, minha mãe passava por um “esgotamento nervoso”, como ela mesma dizia e seu comportamento dentro da perua era pra lá de paranóico. Por conta desse desequilíbrio emocional ela se tornou muito apegada aos costumes católicos e ao entrar no carro, benzia-se e rezava baixinho alguma prece, agarrava aquela alça do painel conhecida como “puta-que-pariu” com tamanha força que seus dedos ficavam brancos. Para desespero do meu pai ela encarnava o co-piloto e vinha por todo o caminho tendo faniquitos e causando sustos:
_Vai devagar! Cuidado, Joaquim! Olha o carro!
Não raro, isso terminava em acaloradas discussões.
Num desses dias, de inverno, creio, por conta da lembrança de estar usando o agasalho azul-marinho do uniforme escolar, foi meu pai quem gritou:
_Olha aquilo!
Ele se referia a um furgão Chevrolet, verde-exército, muito usado naquela época para entregar leite em garrafas retornáveis de um litro.
Estávamos descendo a Avenida Salles de Oliveira, na Vila Industrial num trecho que lembra uma montanha russa, imediatamente no final da descida começa um aclive forte, na altura das “garagens de trens” da extinta Fepasa.
O furgão vinha em sentido contrário, em alta velocidade e na contramão, piscando os faróis, buzinando e desviando, como podia dos outros carros. Resvalou num DKV que seguia a nossa frente, voltou para a pista correta e bateu de lado num ônibus que o trouxe de novo para nossa pista. Ele veio diretamente para nós, devia estar há uns dez metros quando tudo ficou escuro e escutei minha mãe gritar:
_Minha Nossa Senhora Aparecida!
Ela havia tapado meus olhos com sua mão direita que, inacreditavelmente, soltou o “puta-que-pariu”.
Eu vi o “filminho” de minha curta existência passar. Foi a primeira vez que isso me aconteceu.
A Kombi, que nessas alturas já estava imóvel, balançou violentamente antes de ouvirmos o estrondo de uma batida.
Lembro de minha mãe histérica, da buzina do Chevrolet disparada e do meu pai correndo para auxiliar o motorista que havia espatifado o furgão na lateral de um carro, há uns oito metros atrás de nós.
Enquanto minha mãe rezava e chorava, eu continuava atônito sentadinho no meio do banco dianteiro tentando entender o que havia acontecido.
Meu pai voltou com uma expressão aliviada, comentou que o motorista do furgão tinha perdido os freios e que, com o impacto, se machucou um pouco, nada grave. Depois foi avaliar o estrago na lateral direita da perua, por onde o furgão havia passado.
Ainda dentro da Kombi, me recordo perfeitamente de acompanhar sua cara passando pelas janelas laterais enquanto fazia a inspeção
De repente, sem motivo aparente, ele começou a chorar. Sentou-se na sarjeta, colocou o rosto entre as mãos e chorou copiosamente. Minha mãe desceu e eu a acompanhei. Ele tentava explicar alguma coisa, apontou para o carro e balbuciou “num cabe, num cabe”, diversas vezes.
Eu fui ver o que tinha acontecido com a perua e descobri que ela apenas tinha perdido a maçaneta externa da porta do passageiro, que já andava meio arreganhada, além disso, nenhum arranhão. Achei a peça na calçada há uns cinco metros da Kombi e fui entregá-la ao meu pai, na tentativa de consolá-lo e acabar com aquela situação constrangedora. O público se aglomerou para ver o acidente e ficamos no meio de um picadeiro.
Numa atitude ainda mais incomum e inesperada, meu pai me puxou pela mão para sentar ao seu lado na sarjeta. Com o braço sobre meus ombros ele me apertava, beijava minha cabeça e continuava a chorar. Eu também embalei no choro sem saber a razão, simplesmente fui contagiado pela a emoção dele. Ficamos ali uns bons minutos até ele se acalmar. Minha mãe sem entender o que estava acontecendo, sentou-se ao seu lado e ficou quieta.
Finalmente, depois de ensopar o lenço, entre fungadas, ele conseguiu insinuar o que tinha causado tamanho choro. Como era típico dele, mostrou ao lado da Kombi um poste, esperando que chegássemos à mesma conclusão óbvia que ele havia alcançado.
_Olha o poste! Falou pra minha mãe.
Ela foi lá, procurou por algum sinal de tinta do furgão e não encontrando nada, voltou com uma expressão de desentendida.
Didaticamente ele perguntou a ela como é que um furgão daquele tamanho poderia ter se espremido num espaço de apenas um metro entre a Kombi e o poste, com uma roda sobre a calçada e outra na rua.
Minha mãe, ingenuamente, falou que o furgão deveria ter passado entre o tal poste e o muro, o que causou uma leve irritação no meu pai.
_Mesmo se fosse assim, Clara, o espaço ali também é menor do que o furgão. E tem mais: Então me explique o chacoalhão que sentimos e o trinco da porta arrancado.
Aí foi a vez de minha mãe, "de ficha caída", desabar no choro. Ela falou diversas vezes em milagre, atribuiu a nossa sobrevivência ao clamor por Nossa Senhora que fez no último segundo, disse que tinha tampado meus olhos para que eu não visse a morte, que ela tinha certeza de que aquele era o nosso fim, repetia tudo isso com tal convicção que conseguiu me assustar ainda mais.
Concluímos, eu por falta de opção, que milagre era a única explicação para aquilo, já que meus pais também haviam fechado os olhos na hora do impacto e da mesma forma viram os seus “filminhos” serem exibidos. Coisa idêntica ocorreu com o motorista do furgão, inquerido por meu pai antes de irmos embora.

Enquanto papai era vivo, recordamos muitas vezes o episódio, como se nos beliscassemos para nos certificar de que tudo realmente ocorreu dessa maneira. Não contente, essa semana, passados uns 35 anos do "milagre", fui visitar o poste e, com meu carro parado no mesmo lugar onde a Kombi estava, tentando ser o mais cético que pude, tive certeza da impossibilidade física daquilo ter acontecido. Mas aconteceu.
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Essa história ficou esquecida em alguma gaveta de memórias da minha infância e só veio à tona quando comprei a Hebe em janeiro último. Em meio a um monte de lixo que tirei de trás do seu banco dianteiro, encontrei um antigo imã com uma imagem desbotada de Nossa Senhora de Aparecida que fiz questão de preservar e vai, evidentemente, decorar o painel da perua. Mais uma: A oficina do Pedrinho, onde a perua está sendo restaurada, chama-se também Nossa Senhora Aparecida, como pode ser vista numa das fotos do álbum.
Para diminuir minha dívida com Ela, tenho pensado em fazer a viagem inaugural da Kombi restaurada para Aparecida do Norte, porque talvez, devoção seja uma questão de prática. Mas como eu não sei rezar, vou apenas mostrar meu olhar, meu olhar, meu olhar.* (Quem sabe o que perdemos ao fechar os olhos naquele instante?)
*Renato Teixeira em Romaria.

segunda-feira, 23 de abril de 2007

AUTO-RETRATO EM TRÊS POR QUATRO.


Foi assim:
Eu precisava de um boné e de uma camiseta de um patrocinador para posar com eles numas fotos que vão ilustrar uma entrevista que dei para a revista da Confederação Nacional do Transporte, a CNT. Trata-se de uma edição focada no cinqüentenário da Kombi no Brasil, comemorados esse ano. Como às vezes acontece, especialmente quando temos prazos a cumprir, as coisas começaram a dar errado. A camiseta e o boné não chegaram a tempo, o fotógrafo ficou ilhado na chuva de sábado e eu tive que me virar com o que não tinha na madrugada de domingo.
Cheguei em casa por volta da uma da manhã, depois de ralar o dia todo nas compras e mais de seis horas de movimento intenso na pizzaria, mas estava determinado a mandar as tais fotos para a revista.
A proposta original era de eu aparecer com os logotipos do patrocinador dentro ou ao lado da Kombi, mas nessas alturas do campeonato, qualquer coisa era melhor do que nada. Comecei a pensar num lugar para as fotos, fiquei apavorado. Acontece que moro numa casa mínima, costumo dizer que minha vida é três por quatro, afinal o quarto é 3 X 4, a cozinha é 3 X 4 e a sala não é diferente. Pra complicar um pouco mais, tenho 1,80m, o que torna tudo aqui meio desproporcional.
Fiquei imaginando como ligar o assunto da entrevista à minha imagem, já que a perua estava internada na funilaria e impossibilitada e comparecer ao “set” numa madrugada de domingo. Ocorreu-me então posar com as minhas miniaturas de Kombi, mas ainda assim faltava um lugar, e mais faltante do que isso, o tempo.
Numa casa tão pequena, em noite de chuva, só vi duas possibilidades: O quarto ou a sala. O primeiro foi logo descartado, pois no seu centro há uma super-big-cama-king-size, herança dos tempos de casado. Evidentemente que sobre ela não poderia ser, afinal não estava posando para a G-Magazine. Na sala, abarrotada de coisas, seria menos inconveniente. Mas onde me colocar? Que elemento usaria de fundo? A estante, o computador, uma máscara de Buda? Pensei em pendurar um lençol na parede para fazer um fundo-infinito, mas descobri que não tenho nenhum lençol sem estampas, além do fato de não ter visto na revista nenhuma foto assim, com cara de estúdio. Trata-se de jornalismo, não uma publicação de estilo. Cogitei posicionar a máquina sobre a cristaleira e ficar no chão com as Kombinhas, feito um menino. Logo desisti, primeiro porque teria que colocar a mesa-de-centro na chuva, mas principalmente porque, visto de cima, numa sala minúscula com brinquedos na mão, eu ficaria parecendo um coroa esquizofrênico numa solitária de manicômio.
Finalmente optei por um close, com as miniaturas próximas ao rosto, imaginei que assim o fundo não teria importância. Coloquei as Kombis sobre o pequeno sofá branco, uma almofada no lugar onde ficaria a minha cara e fui enquadrar a cena na telinha da máquina amadora. Pareceu bom e bati uma foto de teste. O branco do sofá explodiu com o flash e praticamente velou todos os outros elementos. Precisava cobri-lo com alguma cor escura e não refletiva. Depois de testar com toalhas de banho, saco de dormir e tudo que tinha mais de um metro quadrado, achei uma folha de papel de embrulho tipo kraft. Foi o que ficou melhor.
Recortei um pedaço de sacolinha de supermercado e colei sobre a lâmpada do flash para amenizar a luz intensa e seus efeitos indesejáveis como brilhos na pele e olhos vermelhos. Ajustei o mini-tripé, acionei o automático e corri para a frente da máquina, sentando no chão e tentando fazer uma cara inteligente. Flash! Saco, esqueci de tirar os óculos! Outra: Flash! Que cara de imbecil! Flash! A expressão ficou razoável, mas essa careca brilhante não está legal. Na falta do boné do patrocinador coloquei o da Volkswagem mesmo. Resolvo ligar a máquina no drive e, diante da lente, ficar me movendo e fazendo caras e bocas entre um flash e outro, achei que assim poderia captar-me “mais natural”. Flash! Flash! Flash! Flash! Flash! Cinco fotos, não é possível que não tenha saído umazinha razoável! -Nenhuma ficou boa. Quando acionei o drive, mudei acidentalmente o enquadramento, todas ficaram péssimas e com a testa cortada.
Entrei em desespero quando a luzinha da bateria começou a piscar. Desliguei a máquina, na esperança de pensar em alguma coisa genial para as últimas fotos antes de ficar sem pilhas. Coloquei na boca um pedacinho de Toblerone, acendi outro cigarro e decidi que tentaria só mais uma vez, que essa sairia perfeita. Incorporei o Sean Connery, ensaiei um sorriso meio de lado e fui à luta. Flash! Sem os óculos pude ver na telinha da máquina que essa tinha ficado bacana, Retirei a memória da câmera e transferi as imagens para o computador. Antes de chegar à última me diverti muito com as horrorosas anteriores. Abri o editor de imagens e ampliei a foto do galã... BANGUELA! Credo, o que foi isso? Apliquei zoom e não pude acreditar no que via: Meu canino direito completamente coberto de chocolate.
Já eram três da madrugada e eu ali, passando foto por foto e já não achando mais graça em nada, pensando em escrever um e-mail para a revista pedindo desculpas, falando da chuva, do fotografo ilhado, da falta do boné do patrocinador e que eu fico péssimo em closes.
Respirei fundo, me lembrei que sou brasileiro e que não desisto diante das caras feias, patéticas ou banguelas que desfilam no monitor. Vamos então até o derradeiro suspiro dessas baterias, pensei, me inspirando naquela cena de Rock I, quando no último segundo o Stallone ganha a luta mesmo estando morto.
Faço a checagem de todos os itens: Dentes escovados, óculos afastados, boné na cabeça, enquadramento com a almofada no lugar de meu rosto, flash com a cobertura de saco de supermercado, automático piscando e a luz de pilhas fracas também. Flash! Acho que ainda dá pra mais uma. Flash! A máquina se desliga sozinha e recolhe a objetiva. Transfiro as fotos para o computador e constato que finalmente uma delas ficou razoável, aquela que estou com um quase sorriso resignado, a que mais expressa o meu estado de espírito naquele momento. O leitor desavisado, pode achar que estou olhando para a Kombi com um ar sonhador, antevendo viagens maravilhosas, praias paradisíacas e milhares de quilômetros de estradas planas, sem buracos, pedágios ou congestionamentos.
Ainda tive que dar uns retoques no retrato, apaguei um interruptor, uma tomada e um pernilongo esmagado na parede à minha esquerda, também tirei a fechadura cromada da porta e as chaves que pendiam sobre a minha cabeça, eliminei um brilho vermelho no olho esquerdo e deletei da bochecha uma espinha causada pelo mesmo vício que me deixou banguela minutos antes.
Sei que a foto ficou muito aquém do nível da revista, espero de coração receber um e-mail ou telefonema me dando outra chance de apresentar um material mais profissional, mas diante do ocorrido, achei por bem mandar essa mesma, para não passar por negligente e, caso ela seja publicada, sairá estampado mais de mim em seus pixels do que em qualquer uma outra.

sábado, 14 de abril de 2007

A BESTA DA SEXTA-FEIRA 13.




Foi um dia complicado, cheio de contratempos, da hora que acordei até os seus últimos minutos, quando o derradeiro aborrecimento me fez declinar de uma carona e voltar pra casa a pé. Pareceu-me razoável a oportunidade de esfriar a cabeça com uma caminhada.
Cerca de cinco quilômetros separam a pizzaria de minha casa, essa distância não é problema, porém há um desafio na última metade do trajeto. Em noites sem luar esse trecho de estrada é de uma escuridão palpável. Eu não tinha me lembrado disso quando decidi caminhar, bem como que era uma sexta-feira 13.
Não sou supersticioso e não tenho medo do escuro, mas confesso que quando me vi envolvido por aquele negrume, sobrou pouco sangue na adrenalina que corria em minhas veias. Senti arrepiar até os fios de cabelo que já não tenho mais. Sem querer, comecei a listar mentalmente todos os riscos que estava supostamente correndo: Atropelamento, ataque de cachorro, assalto, seqüestro, mordida de cobra, abdução, vampirismo, Chupa-cabras e enfarte, o que era o mais provável.
Ultimamente, por força das circunstâncias, ando praticado muito aquela máxima: “Se te derem um limão, faça uma limonada”. Tenho feito isso com tanta constância que estou pensando em abrir uma barraquinha de refresco.
Pois bem, lá vinha eu, virilmente arrepiado, com meus heróicos olhos arregalados, tentando encontrar uma fórmula racional de fazer uma limonada com aquele container de limões que minha mente primitiva havia me presenteado. Busquei por referências em experiências alheias. Lembrei-me de Paulo Coelho em O Diário de Um Mago e seu confronto com um cachorro preto, recorri ao Amyr Klink num trecho de Paratii quando ele descreve a superação do medo pela necessidade da ação. Essas divagações me trouxeram de volta à razão e a cada passo fui relaxando e saboreando a tal limonada.
Já estava andando bem devagar, olhando para o céu em busca de estrelas conhecidas quando suspeitei que alguma coisa ou alguém mexeu na vegetação à beira do ribeirão sob a ponte que eu cruzava. Tentei me convencer de que estava ouvindo meus medos e nada mais. Só que essa alucinação era bem grande. Escutei claramente o barulho de algo pesado caindo dentro da água numa margem e saindo na outra. –Acorda! Isso é real! Ta aí ao lado! Berrou uma voz em minha cabeça.
Busquei identificar qualquer vulto, mas não conseguia ver nada além da faixa branca da estrada. O “ser” agora caminhava à minha direita, quebrando galhos com os pés. Pensei em atravessar a pista, cogitei parar, considerei até voltar. Esse drama se desenrolou por cerca de cem metros até que ouvi o barulho de um motor vindo de Joaquim Egídio, trafegava na pista contraria a que meu perseguidor e eu seguíamos. Os faróis do carro começaram a iluminar uma curva logo à frente. Parei. A “coisa” caminhou mais uns metros além de mim e também parou. Com o coração saindo pela boca seca, agucei os olhos na direção que supus “aquilo” estivesse. O carro aproximou-se em segundos intermináveis, suas luzes começaram a desenhar os contornos de tudo que nos cercava. Finalmente os faróis alinharam-se na nossa direção e revelaram a silhueta de uma enorme pedra há uns quatro metros adiante de mim. Uma pedra suspensa! Uma pedra com patas, hipnotizada pelos fachos do automóvel que diminuiu a velocidade para observá-la.
-PUTA-QUE-PARIU!!!! Gritei aliviado.
Estava gritando ainda quando o fusca passou por nós: -Eu sou uma besta! Você é uma capivara e eu sou uma besta! Eu sou uma besta! Muito prazer! Rá-rá-rá-rá!
O simpático roedor ignorou minha saudação e calmamente atravessou a estrada sumindo no mato.

Cheguei quase agora em casa, ainda rindo muito do vexame involuntário que o medo irracional me fez protagonizar.
Enquanto estava alimentando a Rita, minha cadela e confidente, narrei para ela como seria a história de hoje no blog. Aparentemente ela não entendeu direito o que era uma capivara, foi então que pensei em descrever o bicho como uma grande pedra roliça e marrom com patas. Estávamos felizes, eu com a descrição, ela com a refeição, quando senti uma picada no calcanhar direito. Imediatamente associei à capivara e gelei pensando no carrapato. Essa não! Capivara = Carrapato Estrela = Febre Maculosa.
Como um condenado, me sentei nessa cadeira de onde escrevo, acendi a luminária e, já me sentindo febril, arregacei a barra da calça até ver quem estava me picando.
-PUTA-QUE-PARIU!!!! –Eu sou uma besta! É só um carrapicho na meia e eu sou uma besta, a besta da sexta-feira 13! Rá-rá-rá-rá!