quinta-feira, 28 de junho de 2007

UMA CARONA PARA O PEQUENO PRÍNCIPE.

Há cerca de um mês que sou perseguido por inúmeras referências ao Pequeno Principe, elas surgem nos e-mails que recebo de pessoas que nem se conhecem, em convesas de bar e também do meu filho que releu o livro recentemente e ficou admirado com o conteúdo novo que descobriu como adulto.
Quando essas coisas me acontecem, não sossego enquanto não mergulho no assunto e descubro a razão do universo ficar me sussurando insistentemente o mesmo tema. Algumas vezes não dão em nada, ou eu não consigo ver claramente as razões para tantos alertas, mas na maioria desses episódios recebo algum tipo de orientação que me é conveniente no momento.
Hoje de manhã, o Pequeno Príncipe foi o primeiro pensamento que me veio, antes mesmo de abrir os olhos. Olhei no relógio que marcava 06:18H, duas horas antes do que eu pretendia acordar. Saí da cama relutante, passei pela cozinha, apanhei um Toddynho e me sentei ao computador, digitei SAINT-EXUPÉRY no Google e apareceram milhares de páginas, escolhi uma qualquer e abriu-se uma mini-biografia do escritor-aviador. Descobri que se ele não estivesse "supostamente" morto, faria nessa sexta-feira, 29 de Junho, 107 anos.
Digo supostamente porque seu corpo, assim como do menininho de cabelos dourados que ele escreveu e desenhou, jamais foi encontrado. Igualmente ao Pequeno Príncipe, monsieur Antoine-Jean-Baptiste-Marie-Roger de Saint-Exupéry desapareceu.
Não contente, achei uma versão on-line do livro e acabei relendo-o, suponho que, pela terceira vez. Como acontece com quase todo mundo, me pareceu novo, tão novo que ousei levar minha Kombi para uma estrada imaginária e deserta. À margem dela um menino louro, miúdo, com uma pele muito branca caminhava no acostamento. Resolvi oferecer uma carona. Ele usava uma espécie de casaca vermelha com forro azul-marinho e um longo cachecol amarelo.

- Ei, garoto! Quer uma carona?
Sem dizer nada, abriu a porta da perua e com algum esforço subiu a bordo, sentando-se ao meu lado.
- Vai para onde?
- Prá lá. Disse, apontando seu dedinho na direção que seguíamos.
- Como é seu nome?
Ele me encarou e riu muito, uma risada deliciosa. Fiquei constrangidíssimo de me portar de forma tão cética e devolvi a ele um sorriso envergonhado.
- O que o trouxe de volta?
- O piloto.
- Ele está vivo? Perguntei abismado.
- Ele está no meu planeta.
- O que ele foi fazer lá?
- Foi soltar o meu carneiro que comeu a minha rosa.
- Por que ele fez isso?
- Disse que fez isso porque me ama.
- Não estou entendendo.
- A raposa contou ao piloto que a serpente e a rosa eram aliadas. Ele ficou tão furioso que resolveu ir até o meu planeta e soltar o carneiro que comeu a rosa. Ele disse que fez isso porque me ama e a rosa era traiçoeira, mentirosa e não merecia meu amor e meus cuidados. Mas ele não soube me explicar o que o fazia diferente dela, se ele também me fez sofrer.
- Acho que ele agiu pensando mais em si do que em você. Penso que ele se vingou da rosa porque você o cativou e depois o deixou, para voltar para a rosa, que não te tratava tão bem assim.
O principezinho ficou me olhando longamente enquanto eu conduzia a Kombi pelas curvas da estradinha.
Não suportando mais o silêncio e o olhar inquiridor do menino, temendo ter plantado intriga na amizade dele com o piloto, finalmente eu disse: - Mas posso estar errado...
- Você está! Ele acabou com a rosa porque eu a amava e ela me fazia sofrer. Assim sofri muito, mas tudo de uma vez.
- Deve ser isso. Escapei aliviado.
- O que o piloto esqueceu é que as rosas são efêmeras. Um dia aquelas mentiras e maus-humores dela teriam fim. Ele não precisava ter feito aquilo.
- Você tem razão, menino.
- Mas só penso assim agora. Quando contemplava sua beleza e sentia seu perfume achava que nos dois éramos eternos, que ela seria sempre bela, perfumada e sempre minha.
- Você ainda está muito triste?
- Não tanto como no dia que aconteceu. Fico mais triste quando vejo o piloto. Ele nunca mais foi o mesmo. Vê-lo me faz lembrar da minha rosa e ele sabe disso.
- Tente fazer um bem para ele... Arrisquei.
- Como assim?
- Diga que de agora em diante você só o olhará com o coração...
- Porque o essencial é invisível aos olhos... Completou o guri, me fazendo corar pela obviedade da proposta.
- Acontece que não podemos negar o que os olhos vêem. Você tentou fazer isso quando perguntou o meu nome. Não dá certo. Os olhos são aliados das rosas e serpentes.
- De onde você tirou isso?
- A raposa me contou.
- Ela também está morando no seu planeta?
- Não. Lá não tem galinhas. Esqueceu? É que quando eu voltei, ela fez uma festa para mim.
- Como ela soube quando você voltaria?
- Ela não sabia, por isso preparava a festa todos os dias.
- Essa, realmente, é uma grande amiga.
- Mesmo assim ela também contribuiu com o meu sofrimento contando ao piloto sobre as artimanhas da serpente e da rosa.
- Acho que é inevitável. Amigos machucam amigos pensando que estão fazendo o melhor.
- Cativar e ser cativado sempre nos fazem sofrer?
- Acho que sim. Respondi sem nenhuma convicção.
- Então por que não desistimos do amor?
Calei-me e ele, como era de se esperar, insistiu:
- Por que não desistimos do amor?
- É a nossa natureza. Chutei.
- Nascemos para amar, assim como os carneiros nasceram para comer ervas ou rosas. Completei meu raciocínio.
- Mas você também come ervas, não é?
- Sim, eu como.
- Então pode ser que os carneiros também amem. Acho bizarro comer carneiros.
Calei-me envergonhado de ter abandonado minhas convicções vegetarianas.
Ele se pôs de joelhos sobre o banco olhando para a traseira da Kombi.
- É grande isso aqui. (Referindo-se à perua) - Cabe tudo que tenho em meu planeta, inclusive o piloto e o limoeiro.
- Até os vulcões?
- Claro que não! Os vulcões e o planeta são inseparáveis, se você tira-los do planeta não serão mais vulcões.
Concordei fazendo uma cara de paspalho que o fez soltar sua deliciosa gargalhada novamente. Aproveitei o clima de bom humor e perguntei a verdadeira razão dele ter voltado à Terra.
- Vim buscar outra flor.
- Outra rosa?
- Não. Ainda não sei. Mas não quero outra rosa.
- Posso dar um palpite?
- Claro! Disse ele com o rostinho iluminado sentando-se sobre os calcanhares e com os olhos cravados em mim.
- Você disse que agora tem um limoeiro lá...
- Foi o piloto que levou. Carneiros não gostam do sabor azedo e o limoeiro é a única coisa verde que o meu carneiro não come. Além do mais ele não cresce muito. O piloto escolheu bem.
- Eu proponho que você leve uma orquídea.
- Por quê?
- Eu tenho predileção pelas orquídeas por várias razões: Acho que são as flores mais bonitas da Terra, depois de adaptadas, quase não precisam de cuidados, algumas possuem um perfume delicioso e, o mais importante: O caráter delas...
- Como assim?
- Pra começar as orquídeas não possuem espinhos, não precisam de terra, vivem no alto, agarradinhas às árvores - o que manterá a sua a salvo do carneiro se você coloca-la no limoeiro, e tem mais...
- Diga! Falou o principezinho quase não controlando sua excitação.
- Elas, basicamente, precisam apenas de água e sombra. Você tem chuva lá?
- Isso é fácil. É só jogar um pouquinho de água nos vulcões que, antes do primeiro por do sol, chove no planeta todo. Mas se elas não ficam na terra, se alimentam de que?
- Isso é uma das coisas mais belas da vida das orquídeas: Apesar de viverem agarradas nas árvores, elas não tiram nada de suas hospedeiras, apenas as enfeitam. Elas se alimentam de muito pouco. Absorvem nutrientes trazidos pelo ar e pela chuva, partículas invisíveis para os nossos olhos.
- Mas essenciais. Completou o menino exultando de alegria.
- Você sabe onde posso encontrar uma orquídea?
- Sei e já estou te levando para lá. Mas antes quero te falar mais umas coisa sobre elas.
- Fale!
- As orquídeas, em sua enorme maioria, são as mais generosas das flores. Como te falei elas não precisam de muitos cuidados, se alimentam do que o planeta despreza e nos presenteiam com flores belíssimas todos os anos, porém só uma vez por ano.
- Mas isso é ótimo! Gritou!
- Por quê? Você não gostaria de ter flores todos os dias?
- Gostaria, mas só por um tempo. Depois não daria mais importância para elas. Se souber quando minha orquídea vai florescer, mesmo antes do primeiro botão aparecer, já ficarei feliz. Para nos manter cativados é preciso ter rituais, celebrações. Eu irei visitar minha orquídea todos os dias e preparar uma festa para quando ela der flores. Do mesmo modo que fez a raposa enquanto aguardava minha volta.
- Fico grato por você ter me lembrado disso.
- Não foi nada. Disse ele fazendo um gesto de reverência e completou: - Faz parte da minha natureza lembrar você do que é essencial. E gargalhou deliciosamente outra vez.

°-°

Parei a Kombi na frente do orquidário e o menino saltou imediatamente. Queria que eu o acompanhasse. Disse a ele que não devia, que mesmo sem querer eu poderia influenciar a sua escolha e isso não seria bom. Expliquei que lá dentro ele deveria escolher e ser escolhido por sua orquídea, diferentemente do que ocorreu com a rosa, quando nenhum dos dois teve outra alternativa.
Ele esticou suas mãozinhas em minha direção e eu me ajoelhei para abraçá-lo. Ficamos alguns instantes assim até termos a coragem de nos encarar e revelar nossos olhos rasos d'água.
- Nós vencemos! Disse ele, e correu em direção à enorme estufa.
- Vencemos o que? Gritei.
Ele se deteve e quando se virou para mim já carregava um lindo sorriso.
- Vencemos os nossos olhos! Agora eles não são mais aliados da serpente e da rosa. Uniram-se aos nossos corações, foram cativados por nossas lágrimas.
Acenou vigorosamente com os dois bracinhos e sumiu na penumbra do galpão.

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2 comentários:

Anônimo disse...

Eu tambem venci os meus olhos ao ler o seu texto....
Minha proxima leitura sera "Opequeno principe" com certeza, mas so que agora com o coracao e a mente maduros (ou nao)....

Anônimo disse...

Ahhh... lindo.