quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

OS DESEJOS, O DESMAIO E O DIVINO GOZADOR.

Foto de Graça Loureiro em Olhares.com

ADVERTÊNCIA: Esse post, para fazer mais sentido deve, preferencialmente, ser lido depois de FELIZES ESCOLHAS NOVAS, a postagem imediatamente anterior a essa.

°oOºO0°

Bem que eu não queria sair de casa hoje, mas tinha que ir aos bancos, dentista e providenciar alguma coisa para o jantar.
Como o tempo era escasso para um almoço, meu filho e eu fomos comer um sanduíche num bar bem bacana no centrinho de Sousas, em frente ao Bradesco. Quando pus na boca o último pedaço do sanduba lacto-vegetariano, vejo uma mão estendendo-se em minha direção. Segui com os olhos o braço que a sustentava e encontrei sobre os ombros o enorme sorriso de um dos caras (na minha visão pecadora de antes da virada do ano) mais chatos e irritantes que, vez ou outra, cruzam o meu caminho, e o pior é que ele me adora!

- César, meu grande amigo! Grande César. Ave César! Chacoalhava minha mão lambuzada de tomate seco.
- Como vai? Perguntei sem demonstrar nenhum entusiasmo, nem interesse.

Foi o suficiente para ele, carregando uma salsicha empanada e uma Coca-Cola, puxar uma cadeira e sentar-se à nossa mesa. Já ia me preparando para levantar quando me lembrei do meu propósito de ESCOLHER minhas emoções e reações (Vide postagem anterior).
Só pode ser brincadeira "da turma lá de cima", pra me testar, pensei.
Recompus-me emocionalmente para “carregar o mala” e driblar o meu impulso de me livrar logo dele. Deu certo! Em poucos segundos consegui vê-lo de forma diferente, no momento em que ele iniciou seu esporte predileto: Dizer de cor a data de meu aniversário, da minha ex-mulher, de todos os meus primos e mais um monte de gente conhecida. Falou com orgulho que sabe de cabeça o “birthday” de 1.010 pessoas e que faz cerca de 7 telefonemas de congratulações todos os dias. Isso é verdade! Há alguns anos, numa manhã deFinados, o telefone tocou em casa às 07h00min em ponto. Quem me conhece sabe que por questões do trabalho noturno e também do ritimo de meu relógio biológico nunca se deve ligar para mim antes das 11h00min “da minha madrugada”.

Do outro lado da linha escuto uma voz masculina cantando Parabéns pra Você!

- Quem é que está falando? Berrei irritado.
- Adivinha.... He, he, he, hiiiiiiii!
- Não pode ser amigo me ligando nessa hora!
- É o Gustavo Freitas Barbado
(nome fictício, claro). Queria ser o primeiro a cumprimentá-lo!
-E você conseguiu Gustavo. Quem foi o FDP que te deu meu telefone? Eu não autorizo a divulgação do meu número pela Telefônica!
-Tenho minhas fontes, amigo! He, he, he, hiiiiiiii!

Deixei-o falando sozinho, joguei o telefone sobre o sofá e voltei para a cama, revoltado!

Hoje porém, graças a minha ESCOLHA de não me irritar, acabei até me divertindo, trocando olhares arregalados com meu filho a cada vez que ele soltava uma de suas pérolas. Foi com pesar que me despedi dele para ir à dentista.

Com a boca aberta e anestesiada, sem mais nada pra pensar, passei a enxergá-lo como um personagem quase que folclórico, não faz mal a ninguém, só é bastante inconveniente, e todas suas intervenções, mesmo que desastradas visam o bem de suas “vítimas”. Fiquei feliz com minha atitude e acabei por inventar um sutil sorriso com a boca escancarada que fez a dentista perguntar se eu estava sentido dor.
Saí da tortura semanal com o beiço mole, mas de bem com a vida e resolvi arriscar buscar um quadro com três Buddhas que tinha visto no Iguatemi dias atrás. Ficará ótimo sobre a cabeceira da cama, pensei.
Dei sorte. O quadro ainda estava lá e o preço baixou vinte por cento. Liquidação de Natal.
Para evitar qualquer outro impulso consumista, peguei o embrulho desajeitado e segui direto para o estacionamento. Foi quando não resisti a um café na Casa do Pão de Queijo, já quase na saída do shopping.
À minha frente, na fila do caixa, havia uma moça, típica freqüentadora de shopping, uns 35 anos, bem vestida, bem penteada, com bolsa de grife e segurando uma sacola da Saraiva. Percebi que dentro tinham uns três livros...
Enquanto ela pagava por um suco e um salgado, fiquei comentando comigo mesmo: Hum.. Bonita... Comprando livros... Talvez não seja tão “patricinha” como aparenta...
Depois de pagar, ela se afastou para a esquerda e sentou-se num daqueles bancos altos. Era a minha vez de ir ao caixa e enquanto a atendente fazia o troco, olhei de relance o rosto da tal moça, agora ao meu lado. Ela também estava olhando pra mim. Vesga, muito vesga, assustadoramente vesga! Mas tão vesga que tive que olhar de novo. Mas seus olhos, dessa vez, estavam normais.
Enquanto eu tentava descobrir que tipo de pegadinha estava sendo vítima, ela deu uma balançada pra trás, como se jogasse os cabelos e quando voltou meteu a testa violentamente no balcão. Larguei o quadro e minha bolsa e consegui ampara-la antes que chegasse ao chão.

- A mulher desmaiou! Gritou alguém.
- Ela sempre tem isso? Perguntou uma senhora.
- Sei lá! Eu não a conheço!
-Como é que você soube que ela ia cair?
-Ela piscou pra mim!
Falei irritado.
-Será que alguém pode chamar a segurança? Berrei.
-A moça do café já foi. Falou uma outra mulher.
Apareceu uma jovem vestida de mico de realejo: A segurança do shopping.
-O que ela tem?
-Não sei moça. Não sou médico. Só sei que ela precisa de ajuda. Tem um ambulatório aqui, né?
-Tem sim, vou chamar pelo rádio.

Enquanto o socorro não vinha, ficamos nós dois lá no chão do café minúsculo, eu sentado sobre os calcanhares, com a cabeça dela recostada no meu peito, o braço esquerdo apoiando suas costas e com a mão direita acariciava seu rosto e tirava os cabelos de sua boca. De tempos em tempos ela ameaçava acordar, olhava pra mim, ficava vesga de novo e apagava. Começou a suar abundantemente, um suor gelado que chegou a molhar minha camiseta.
Até a chegada do socorro, acho que não se passaram nem cinco minutos, mas pareceram horas.
Enquanto as pessoas em volta (semi-histéricas) levantavam hipóteses acerca de ressaca de Reveillon, gravidez, pressão baixa e os cambau, eu cochichava no ouvido dela: - Fica tranqüila, já vai passar, ta tudo bem... Na verdade estava falando para nós dois.
Chegou um pessoal vestido de branco com uma cadeira de rodas e arrebatou-a de meus braços. A moça vestida de mico os seguiu levando a bolsa chique e a sacola de livros.
Levantei-me, meio atordoado. Uma alma boa tinha recolhido e guardado o quadro, minha pochete e a carteira que ficara sobre o caixa.
Tive tempo de ver a cabecinha dela balançando quando a cadeira de rodas fez a curva no corredor.
Finalmente pedi meu café e o sorvi com dificuldade por conta dos lábios ainda adormecidos da anestesia. Repassei calmamente, diante da xícara, as últimas horas do dia. Tive um arrepio quando fiz a ligação do derradeiro episódio com um quase desejo para 2008 que nem cheguei a colocar no papel, pois era incompatível com outro projeto: A viagem solitária de setembro.
É que quando fazia a lista de desejos, na véspera de Ano Novo, pensei por um milésimo de segundo: Também seria bom ter alguém para abraçar...

É preciso muita cautela com o mais fugaz dos desejos. O Divino está sempre nos espreitando, aguardando uma vacilada nossa para exercitar seu estranho senso de humor.

Um comentário:

Unknown disse...

Oi, César

A-DO-RE-I seus últimos posts!!!!!
Fico aqui só esperando as cenas do próximo capítulo...(????)

Beijos,